sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - Yoga

A questão do Yoga na importância do conhecimento do corpo, como manifestação externa da mente e como esta é influenciada pela alteração das respetivas posturas é uma temática bem pertinente nos dias de hoje, num tempo onde parece existir uma tendência de contrariar a aptidão inata do movimento e da escuta do próprio corpo. Aliar esta atividade à leitura, promove o desenvolvimento da criança com as atividades que seriamente respeitam e incentivam o lúdico como fonte de aprendizagem.  Existem algumas publicações que reúnem estes dois polos e é alguns desses exemplos que partilho nesta rubrica.


As minhas primeiras melodias de relaxamento

Gilles Diederichs. Ilustrado por Emiri Hayashi

Edicare (2008)

Em 2008, a editora Edicare publicava este livro de edição traduzida. Livro cartonado visando o manuseamento por crianças pequenas. O universo da narrativa são os elementos da natureza, acompanhado de um CD, que através de sons e músicas, visa proporcionar momentos relaxantes e de serenidade. Indicado para ser usado pelos pais na interação com as crianças, permite a exploração musical, a par da descoberta do corpo, promovendo a motricidade. 


RESPIRA

Texto e ilustrações de Inês Castel-Branco

Pequena Fragmenta (2015)

A pequena fragmenta passou a ser uma coleção da Editora Akiara. Existindo assim, uma 2ª edição deste livro da Akiara books em 2018. 

Através de um diálogo, entre mãe e filho, é abordada a consciencialização do ato de respirar e dos benefícios que existem na reflexão desse ritual. Ligações à natureza e aos aspetos sensoriais do corpo,  são o fio condutor da narrativa. 

A ilustração numa base de aguarela, completado com recurso a colagens (fotos e outras texturas como cartolina, revistas, papéis diversificados) e também recurso a carimbos, causando destaques na utilização e conjugação dos vários elementos que criam diferentes texturas e relevos. 


 IOGA

Texto De Miriam Raventós. Ilustrações de Maria Giron

Pequena Fragementa (2016)

Neste livro, a narrativa inicia-se com um desafio. Partindo da questão se é possível fazer-se várias coisas ao mesmo tempo, aborda-se a necessidade do ritmo, da espera e uma vez mais, a coisa mais simples e elementar que o ser humano consegue fazer: o respirar. Uma viagem pelas origens do Yoga, na Índia, envolvendo personagens que valorizam apenas uma coisa, simples e natural. 

Ilustração, numa paleta de cores pastel,  que se inicia nas primeiras páginas, como modo de introdução dirigida às crianças, através de uma abordagem aparentemente ingénua,  alternando para uma ilustração muito realista quando se inicia a viagem pelo mundo do yoga. Neste âmbito apresenta um traço anatómico muito bem definido, cativando o leitor para as respetivas posturas, que nos transmitem, para além da beleza estética das mesmas , o impulso para a sua concretização 

Existe um equilíbrio estético de páginas, na medida em que alternam também elas, entre páginas cheias de elementos, contrastando com páginas limpas que deixam respirar o leitor. 

Em ambos os livros da editora Akiara Books, existe no final um guião de leitura, com exercícios simples para a prática de religar o corpo à respiração consciente, bem como exemplos simples de cada postura de Yoga.  

A primavera do Yoga – uma viagem pelos sentidos

Texto de Márcia Viana

Ilustrações de Um coletivo de duas

Casa Capaz (2019)

O Inverno do Yoga – uma viagem pelos sentidos

Texto de Márcia Viana

Ilustrações de Um coletivo de duas

Casa Capaz (2019)

Estas duas publicações, publicadas no ano transato, respetivamente na primavera e no inverno, fazem parte de uma proposta de quatro livros, que acompanhando o ciclo da natureza se coaduna verdadeiramente, ao nível do desenvolvimento da criança. A autora dinamiza sessões de yoga com as crianças, e estes livros constituem-se como um material fidedigno da sua prática.  

Ambos os livros, inspiram-se no Método Montessori, um método que tem o foco na autonomia, liberdade com limites e respeito pelo desenvolvimento natural das habilidades físicas, sociais e psicológicas da criança.

Tendo como fio condutor a evolução da criança, o adulto funciona como mediador, e neste ponto, sendo o adulto responsável pelo desenvolvimento global harmonioso da criança só pode ser um intermediário que faculta várias experiências/vivências de modo a que a criança descubra por si, e não seja, apenas um mero espetador do que o rodeia.

Enquanto no primeiro livro, o foco era na criança e na sua relação com o passar do tempo físico e sensorial, mas também com o conceito espacial de tempo, este segundo livro mantem a mesma premissa, de observar e vivenciar uma aventura na natureza, de modo sensorial, alargando-o a outros elementos espaço temporais e formas do sentir em paralelo com a narrativa, com outros personagens, mais ou menos ocultos. Como é o caso da existência de um ouriço bem escondido, manifestando-se, ainda que discretamente, mas muito marcante, (evidente ao longo da obra) um enorme respeito pela natureza e animais em geral. O respeitar o outro, numa simples observação: “vamos deixá-lo tranquilo”. Assuntos muito sabiamente, bem  explanados  nas capas.

No primeiro livro a importância da polinização e o respeito pela abelha relacionado, obviamente, com a primavera. No segundo livro, a questão da hibernação ligada ao inverno. Em ambos, a passagem do tempo e a transformação.  

Também em ambos os livros, a família é um elemento presente, como fator de segurança e promotor de oportunidades. No caso do Inverno do Yoga,  surgem elementos da família alargada, como é o caso dos avós. É a saída da família que desperta a relação com o mundo exterior e no segundo livro é o retorno à casa, como elemento de proteção que reforça e é contentor de afetos (o que estava já implícito no primeiro), mas que neste segundo é bastante mais evidente.

Em ambos, existe uma coerência similar tanto ao nível do texto, como no aspeto gráfico. Mantem-se organizado do mesmo modo – guardas, (pautadas por pequenos pormenores alusivos à época), a distribuição do texto e respetivas posturas. Olhando para ambos os livros, (que na publicação do primeiro, isso obviamente, podia não ser expectável), percebe-se, agora com a existência do segundo, que se trata de uma coleção. Os pormenores no topo da capa e os da contra capa remetem para uma interdependência temática, neste caso de uma coleção. (Yoga e estações do ano)

Combinando a prática de mindfulness na capacidade humana de estar plenamente consciente dos pensamentos, das emoções e do próprio corpo, oferece conteúdo pedagógico, (supostamente, o público alvo será a idade do pré escolar e 1º ciclo, por consequência educadores de infância e professores de 1º ciclo, bem como pais). Contudo, arrisco, porém, a alargá-la a outros públicos e idades, no âmbito da educação emocional que integra. 

Uma narrativa ilustrada, simples,  mas delicada, acompanhada de uma ilustração realista que se harmoniza na mensagem pretendida. A suavidade da linha desenhada, completada com a pintura primorosa de guache, oferece-nos um conjunto harmonioso limpo e arejado, quer a nível da imagem como da narrativa textual a que se refere. 

Para finalizar, em síntese, considero que ambos os livros contribuem para melhorar a relação com os outros e com o que nos rodeia, bem como fortalece a relação com o próprio. 

No final da narrativa do segundo livro, existe o convite para a experiência de um chocolate quente, a par de uma sugestão de desenho. Apenas como um reparo, deixaria livre a atividade plástica e não um modelo a ser colorido, o que, obviamente, não invalida toda a pertinência deste livro. 

Eu Sou Yoga

de Susan Verde. Ilustração de Peter H. Reynolds 

Nascente (2019).

Sem ter propriamente uma narrativa, este livro,  apela à transformação do corpo e da mente, em particular. Ao longo do desenvolvimento humano existem transformações e experiências e este livro, apela à capacidade da mente criativa para superar desafios e mudanças. Através de dezasseis posturas do Yoga (pormenorizadas num miniguia), de modo criativo, apela, à já fértil imaginação da criança, para a resiliência de enfrentar desafios. O texto, de pequenas frases por página, é acompanhado pelas ilustrações suaves (gauche, rodeado a contorno de linha preta) do consagrado Peter H. Reynold´s, que transformam este livro numa pequena viagem a mundo metafórico. As cores coesas e equilibradas da ilustração remetem-nos para um imaginário poético e contemplativo do que podemos ser, transformando pensamentos em sensações positivas.


A montanha do amor

Texto de Raquel Gonçalves

Ilustrações de Ana Gabriela

Edições Betwein (2019)

Raquel Gonçalves é a autora deste texto que também em colaboração com Carla Lobato dá vida à capa da revista que temos em mão. A autora, enfermeira especialista em saúde materna e obstetrícia,  desenvolve também sessões de Yoga para crianças. Da sua prática, surgiu um desafio inicial para uma história em contexto educativo. Desta experiência surgiu este livro.

A narrativa acompanha uma criança, em idade escolar, que se desafia a conhecer e explorar, o mundo para lá do que observa da sua janela. 

Na sua viagem, explorando a montanha que avista, Júlia, a personagem, encontra animais, proporcionando, nas posturas destes, o conhecimento do corpo individual, a par das experiências/vivências criativas e descobertas sensoriais. São estes desafios, numa conexão de mensagens emocionais e de valores que fazem deste livro uma ferramenta pedagógica de yoga e mindfulness, onde em cada página, o texto (em quadra) traça a narrativa da aventura, de coragem e autoestima, uma exceção na existência de uma quintilha, evidenciando a viragem para a persistência e superação dos receios. A construção da autoconfiança para o retorno ao lugar seguro, na família, onde estão os afetos.  

As ilustrações, de base aguada de aguarela com apontamentos de lápis de cor, numa palete de cores equilibrada entre cores quentes e frias, equilibra o jogo narrativo que se interliga com a coerência das posturas e sentimentos.

 A Tua Cabeça é Como o Céu

 Texto de Bronwen Ballard; Ilustração de Laura Carlin 

  Fábula (2019)

A psicóloga Bronwen Ballard, responsável pelo texto, aproxima-se do leitor, tratando-o pelo pronome pessoal.

Desta cumplicidade próxima, logo evidente na capa, conduz-nos ao longo da leitura, num texto simples e direto, onde alia a prática mindfulness à consciência dos sentimentos.

Numa analogia entre a mente humana e o céu que avistamos, remete-nos para a importância de não menosprezar medos e sentimentos negativos, revertendo para a necessidade de os sabermos reconhecer e ultrapassar, evitando sofrer por antecipação.  

Numa ligação simbólica entre texto e ilustração, o jogo contemplativo e nostálgico de ambos, transporta-nos para um estado de infância permanente. As ilustrações harmoniosas da premiada Laura Colin, numa paleta de cores suaves, com utilização de técnicas mistas, (como aguarela, acrílico e lápis de cor), remetem-nos para um ambiente bucólico e difuso  aumentando a narrativa escrita. Os jogos de sombras e os desenhos, como que de esboço, se tratassem, constituem-se como um deleite para os sentidos, onde apetece apaziguarmo-nos com a nossa existência. 

in: Educação Inclusiva - Revista da Pró-Inclusão:  Associação Nacional de Docentes de Educação Especial  - Vol. 11, N.º 1 - junho 2020

https://proandee.weebly.com/revista_v11n1_jun2020.html

ler: https://issuu.com/geral-proinclusao/docs/inclusiva_vol.11_n.1_issuu

descarregar: 

https://proandee.weebly.com/uploads/1/6/4/6/16461788/revista_educacao_inclusiva_vol.11_n.1.pdf


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Para dormir



Para dormir
Teresa Cortez
Gatafunho (2020)

O formato, cartonado, de cantos arredondados, deixa previsível ao olhar e ao manuseamento, o público alvo deste pequeno livro. 
Pequeno de tamanho, (é essa a única justificação de se apelidar esta pequena preciosidade de livros para bebés ou para crianças pequenas),  diga-se, inversamente ao envolvimento da sua narrativa com o leitor. A narrativa escondida e circular, remetendo para a infância, transporta-nos para a ligação à natureza, ao afeto, à simplicidade da vida e ao non sense criativo rítmico e cumulativo da brincadeira com as palavras. A descoberta do mundo afetivo da criança e da ligação com os objetos.
As ilustrações convidativas, de cores vivas em técnica mista (desenho, recortes) apelam aos sentidos entrecruzando-se com o pequeno texto executado em carimbos, material bem ao gosto das crianças, manuseando-se a narrativa em várias posições do livro.
Para dormir é um livro que convida ao momento da viagem da ida para a cama, permitindo o seu reconto inúmeras vezes, na circularidade da narrativa da última página com a capa. Talvez por isso não seja, digo eu, uma estória para adormecer. Antes sim, um convite ininterrupto para a aprendizagem das palavras. 

domingo, 3 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - Livros Peculiares e autónomos

Todos os livros começam com um início, talvez por, Era uma vez. Mas qual o fim dos livros? Que objetivo oculto, oferecem na sua potente existência?

E que desígnio oferecem as diferentes edições, formatos, tamanhos, nesses objetos surpreendentes que se convertem, ou são, na sua essência livros?

Apresento-vos pois, alguns desses personagens com corpos e posturas, pouco habituais, mas que desafiando a sua finalidade cumprem-na, extrapolando-a. Intitulam-se como livros fora do comum, espicaçando o leitor a ser participante ativo, atento aos olhares à transição para novas narrativas, provocando reações díspares, agregando o eterno prazer da leitura. O conceito de livro extravasa assim para a poesia e para a dimensão plástica, por isso, os considero especiais com autonomia para seduzir o leitor. 

Korokoro

Émile Vast

Barbara Fiore editora (2009)

Um livro objeto, precioso, tanto na narrativa como no sentido estético da mesma. 

Em formato de harmónio/acordeão, este pequeno livro da autoria da autora/ilustradora Émile Vast, leva-nos numa viagem poética pela natureza, num desfile de imagem que nos surpreende permanentemente. A atenção aos detalhes que nos alertam para a observação dos mesmos, numa narrativa livre, dependendo da interpretação do leitor, conduz-nos ao deslumbramento cumulativo de situações. 



Mala quadrada, cabeça quadrada
Patrícia Vasconcelos 
 Ilustrações e design gráfico:
Eduardo Souza, Gabriela Araújo
Caleidoscópio (2018)

Um livro triangular que nos surpreende antes de o abrirmos, no seu formato, no convite ao sensorial, do toque, ao apelo do visual no sentido estético, na sua materialidade que convida a ser manuseado de diferentes formas, mesmo antes de iniciar a narrativa, onde cabe um espaço e uma vida. 
É o leitor que ao manusear o livro quadrado, no decurso das suas páginas, encontra a narrativa de muitas vidas quadradas, de outras tantas cabeças quadradas.  Imagens abstratas  num mundo concreto de sonhos e visões individuais. 


Girassol 
Inês Almeida e Nicholas Carvalho
Casa Nic e Inês (2019)

Um livro que se desembrulha num presente para os sentidos. Uma ilustração que se vai contemplando numa sequência vertical até se completar num todo, numa circularidade ilimitada de criatividade narrativa. Tão simples, sem palavras. Apetece dizer que a imagem vale mais que as palavras, porque essas irão surgir, espontaneamente em novos significados emergentes. 


na noite escura
Bruno Munari 
Bruáa (2011)

Bruno Munari é um autor exímio em livros fora de formato, designer influente, transcende nas suas publicações diversificadas onde evidencia experiências e conceitos. Neste caso a narrativa acontece paralelemente ao ritmo visual de recortes, sobreposições de acetatos e variações de texturas e manchas,  numa consonância magistralmente concebida. 



O jogo das Fábulas
Enzo Mari 
Edizioni Corraini (2013)

“O Jogo das Fábulas, criado por Enzo Mari em 1965, ainda é considerado um dos jogos mais importantes e inteligentes para estimular a criatividade.” Pode-se ler no verso do livro/jogo. Pode-se considerar um livro de imagens, sem texto. Considerado como um jogo, é composto por 6 placas que se recolocam possibilitando diversificadas e ilimitadas narrativas. 


Isto ou aquilo?
Dobroslav Foll 
Bruáa editora (2011)

Um livro jogo que brinca com o manuseamento da ilustração. 
Sobrepondo uma grelha de acetato e deslocando-a sobre a ilustração o leitor irá visualizar duas imagens que se transformam mutuamente. Dezasseis imagens intuitivas compõem este livro que explora a simplicidade das formas e cores dos objetos que permitirá desafios sem limite.




Vir ao mundo
Emma Giuliani
Edicare (2014)

Mais um livro em que se abre em forma de harmónio, num fundo branco com imagens a preto, flores ocultas, cabendo ao leitor, tocar-lhes e em forma de pop up dar-lhes vida, que é como quem, diz vir ao mundo.  Um livro poético que aborda o dar e receber, numa delicada sucessão de imagens, com pormenores subtis para leitores atentos. São poucas as palavras, mas imensa a fragilidade poética a par do objeto livro, tal como a vida, que pode ser bela mas efémera. 




Bolas de sabão 
Emma Giuliani
Edicare (2015)

Um pouco à semelhança do livro anterior a autora/ilustradora partilha momentos poéticos da vida. Desta vez, as páginas habituais num livro, são acompanhadas por pop-up de objetos peculiares que se destacam deambulando pelas memória de infância. 


9 meses
Jean-Marc Fiess 
Edicare (2016)

Da anterior editora, um livro soberbo para qualquer idade. Em cada página um pop –up acompanha o processo de desenvolvimento embrionário, envolto em alegria, espera e receios  até ao fim da gestação. Uma ode à vida de modo sublime. 


Em que pensas tu?
Laurent Moreau
O bichinho de conto (2017)

Em cada página um personagem e o seu pensamento.
Porque cada um de nós pensa em qualquer coisa ou não pensa em coisa nenhuma.  Pequenas janelas que se abrem ao pensamento coletivo e nos faz ser como os demais, sendo sempre únicos. 
 

Pra Lá do Escuro
Márcia Misawa
Baba Yaga (2017)

Pra lá do escuro é um livro em forma de harmónio, com pormenores recortados manualmente, em cada página.  Uma viagem de coragem, através do escuro, onde se instigam medos para encarar os sonhos individuais. Um deleite poético e estético.
A tromba
Tino Freitas e Debora Barbieri
Baba Yaga (2019)

Mais um livro da mesma editora do livro anterior. Uma editora brasileira com produção manual de livros fora de formato.
O formato deste exemplar, com um elástico a prender o seu harmónio, transforma-se em livro jogo. Ao desenrolar-se, revela uma lenga- lenga poética e cheia de humor. Um livro desafiante no que se refere à linguagem e nonsense desafiante e criativo. 


Não se pode em falar em livros fora de formato, sem se falar do fabuloso trabalho da autora/ilustradora checa Kveta Pacovska. No seu rol de livros, difícil é escolher um para documentar. A título de exemplo abordo o MidNight Play. Em forma de jogo, o livro apresenta um grupo de atores que exibem um espetáculo para a lua e esta premeia-os com a sua visita. As páginas do livro apresentam-se divididas, podendo combinar personagens e vestes, acompanhando a presença da lua presa por um cordel, construindo novas narrativas. Ideia simples, aparentemente, vista possivelmente noutros livros. Contudo o trabalho gráfico da autora, fazem deste livro, ou de qualquer um outro da sua autoria,  uma verdadeira obra de arte. 




Helena Zália, a ilustradora da capa da revista onde se insere este artigo, é ela própria responsável por livros fora de formato, exemplares únicos e ilimitados, da sua própria editora (zai-zai edições). Livros à medida de uma mão (como publicita a autora), feita à mão e com carimbos, que em tudo apela à imaginação. 


Marina, com texto de Guillermo Estrada Maurin (2007), em formato de harmónio, conduz-nos à viagem poética a uma cidade e à sua ligação com o mar ou a ausência deste. Um deleite textual e gráfico que oferece aos sentidos a textura reminiscente de um sonho marinho. 

No caso de Baloiçar, com autoria do texto de Anabela Mateus, Rita Vizinho e Vanessa Magalhães, o livro oferece a leitura em formato de harmónio, deixando para o final a surpresa de maior dimensão a par da mensagem concertada com a narrativa estética e poética que antecede o final. Uma folha única, abre-se, revelando-se para o mundo do leitor, em prole da circularidade textual, mas também da própria vida. 











sábado, 2 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - A importância das perdas

O livro ilustrado tem sido o fio condutor desta rubrica no sentido de que os momentos de partilha dos mesmos sejam, isso mesmo, instantes inclusivos que refletem a diversidade, na escola, na sociedade, na vida. 

A importância da nossa existência efémera é a motivação para apreciarmos cada instante, contrariando a frenética passagem do tempo, pois nela existem episódios de perdas e de resiliência. 

O quotidiano com momentos simbólicos que os livros replicam, porque afinal, cingem-se a abraçar a vida para de algum modo amenizar as perdas.


O livro da Avó 

Texto e ilustração de Luís Silva

Edições Afrontamento (2007)


O livro da Avó, originalmente publicado em grande formato, proporcionava o impacto do seu manuseamento, oferecendo a experiência de um contacto com a ilustração como de uma grande tela se tratasse. 

Em qualquer das suas edições, a tela “fotográfica” permite-nos visualizar as memórias de um neto através dos momentos partilhados numa casa onde habitavam aventuras e mimos. As ilustrações sépia transportam o protagonista e também o leitor para um cenário onde se vivenciam os sentidos. Os cheiros, as escutas de histórias partilhadas, a vista da varanda com o mar no horizonte até ao vazio da ausência. O sentimento da saudade e dos afetos na circularidade das mensagens afetivas entre avó e neto. Um livro que folheamos vemos sem conta num sentimento de carinho nostálgico. 

Merecidamente, este livro foi vencedor do Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância em 2008.

 O comboio

Texto de Silvia Santirosi

Ilustrações de Chiara Carrer

OQO Editora (2012)


O sentimento da perda vincado pela ausência de alguém. 

Uma corrida contra o tempo protagonizado num sonho simbólico numa viagem de comboio. A impotência perante o futuro e o desejo de inverter o irremediável  numa talentosa narrativa que combina texto e ilustração que permitem compreender a tenebrosa escuridão das perdas e percepcionar a necessidade de tempo para assimilação  da realidade.

Se o texto é extremamente simbólico, também o é a composição de Chiara Carrer na ilustração conceptual de desenhos simples, quase esboços frágeis como a vida mas que delicadamente nos enternecem entre os afectos protagonizados entre pai e filha. 


O Regresso 

Texto e Ilustração Natalia Chernysheva

Bruáa (2014) 


Um livro sem texto onde a narrativa é feita na interpretação das ilustrações. Estas, de linhas  arejadas e de predominância de preto e branco remetem para imagens do passado transportando uma certa nostalgia no folhear das mesmas.

O regresso aos reencontros, as recordações de cheiros, as flores, os jardins. Os espaços deixados pelas saudades. Os afectos que apesar da ausência permanecem para sempre na memória. Os lugares que revisitamos e a que regressamos, em muitos casos, como se fosse a primeira vez, onde se desfazem recordações imaginadas e se renovam forças nos abraços de quem nos espera. 

Um livro que devolve as memórias apesar de eventuais perdas.


 

Arturo 

Texto de Davide Cali 

Ilustração de Ninamasina 

Bruaá Editora (2012)


Arturo,  como nos é revelado na capa é um cão, e é ele o protagonista da narrativa. 

O texto transporta-nos para uma busca incessante de alguém que Arturo procura. A ilustração através de fotografia, aumenta o impacto da narrativa. Sendo este cão protagonizado por um peluche é a componente da imagem que nos envolve na narrativa e nos faz identificar com a perda do personagem. Surpreendentemente esquecemos facilmente que não é humano, nem sequer um ser vivo. Mas que representa a busca incessante da perda de alguém.   

A procura nos lugares costumeiros por alguém que o leitor desconhece  mas que progressivamente vamos percebendo as rotinas, os locais. 

A procura incondicional, porque assim o é o amor. Um livro tão enternecedor quanto a busca incessante de um retorno, de uma companhia e consolo.  


O Urso e o Gato Selvagem

Texto de Kazumi Yumoto

Ilustração de Komako Sakai 

Bruaá Editora (2011)  


Uma vez mais, um animal é o protagonista de uma perda. Desta vez um urso, que tal como os humanos, reage negativamente à morte do seu amigo pássaro. A narrativa extremamente comovente quer ao nível do texto, como da ilustração circula sobre o nosso olhar cinéfilo de um álbum de fotos antigas que acompanha o processo de luto, envolto em memórias e afectos mas também a aventura de um futuro próximo com apoio e reforço de uma nova amizade com um gato selvagem.

 


O coração e a garrafa

Oliver Jeffers

Orfeu Mini (2010)


Um livro soberbo do excepcional artista multifacetado Oliver Jeffers.  

Utilizar metaforicamente a ideia de uma criança guardar o coração numa garrafa para se proteger da perda, é em si já um fabuloso enredo. Depois a acrescentar à narrativa a técnica mista de ilustração com recurso à imagem fotografada para nos envolver é um deleite visual. 

Como a protagonista sentimos a curiosidade pelo mundo e desmoronamos com a noção de perda. Com ela vivemos a necessidade do tempo para minimizar a perda e vivenciamos sentimentos com os que nos rodeiam. O mistério da circularidade da vida . Uma pequena enciclopédia dos sentimentos que nos deixa o coração literalmente exposto, metaforicamente, falando, obviamente.

 


Para onde vamos quando desaparecemos

Texto de Isabel Minhós Martins

Ilustrações de Madalena Matoso


Com base na premissa que o desaparecimento só acontece se alguém der conta, este livro aborda a questão da perda e da morte de um modo contínuo e com algum humor. Revelando a temática para um assunto da curiosidade humana  é traçado uma narrativa do ponto de vista da ilustração com uma linha preta que funciona como fio condutor do percurso que cada um de nós faz na vida, preenchido com memórias, escolhas e afectos. 



Paraíso 

Bruno Gibert 

los quatro azules (2009)

De um modo prático e aparentemente simples mas inteligente e exponencialmente poético o autor remete as ilustrações para símbolos iconográficos.

Na utilização da sinalética convencional o autor utiliza não só a linguagem da palavra mas também a linguagem das emoções, estabelecendo com o leitor um diálogo sem respostas sobre a morte nas mil e umas perguntas que sobre ela frequentemente fazemos. 

Um percurso de memórias onde o autor nos transporta para as questões de uma viagem sem retorno. Quem sabe, para o Paraíso?


O tempo do gigante

Texto de Carmem Chica 

Ilustrações de Manuel Marsol

Orfeu Negro (2015)

Um livro que se apresenta em grande formato (24,4 x 34,5 cm), manifestando-se desta forma como arrebatador e imponente. 

A grande figura, protagonista da capa e da narrativa conduz-nos desde logo a esse arrebatamento. A questão da grandeza. 

E é precisamente nesse trocadilho sensorial que vive a narrativa. 

Com escasso texto a acompanhar as ilustrações sublimes, remete-nos para a vida do individuo na sua dimensão e na sua passagem pela vida. De uma forma singela remete para as passagens das estações e consequentemente para a passagem do tempo. A importância de se olhar os minúsculos acontecimentos, que aparentemente na rotina dos dias se parecem iguais. Uma ode à passagem do tempo, às memórias e à valorização dos momentos. 

Livro premiado na categoria de melhor ilustração de livro infantil (autor estrangeiro) na BD amadora 2015. 

Em 2014, cinco ilustrações desta obra, tinham sido já premiadas em 2014, com o Prémio do Catálogo Ibero-Americano de Ilustração, pela sua qualidade gráfica e estética e sensibilidade poética.  

in: Revista Pró Inclusão Vol. 10, N.º 1 - junho 2019



sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - (Re)inícios

Partilho algumas preciosidades de leitura que abordam o primeiro dia de escola para alguns, o seu reinicio para outros ou ainda as experiências significativas dos ciclos que fazem parte da vida.  


Lucas y Oso

José Campanari (texto)

Kristina Andres (ilustração)

OQO editora (2010)


Um livro simples, sem explicações aprofundadas de como as crianças enfrentam os medos e a própria maturação. 

As fases do crescimento nunca são fáceis mas é por isso mesmo que o livro funciona como catarse. Com alguma dose de humor e muita autenticidade, José Campanari, relata os episódios de enurese noturna e o drama do primeiro dia de escola. 

Ilustrações maioritariamente de caneta e aguarela, com técnica de trama para delinear as sombras, transportam-nos para as memórias que associamos à infância. A gramagem e textura do papel com uso pontual de carimbos e algumas composições digitais, de cores pastel quentes, apresentam todo o universo de objetos e cenas do quotidiano a par da imaginação infantil. Os relevos de cores frias evidenciam elementos pontuais em concordância com a oscilação dos sentimentos. 

Crianças pequenas identificar-se-ão com o protagonista. Os mais velhos, irão com certeza recordar esses momentos da infância, com um sorriso nos lábios e um sentimento de nostalgia. 


O primeiro dia de escola

António Mota (texto)

Paulo Galindro (Ilustração

Gailivro (2011)


A preocupação com o primeiro dia escola, por parte de uma menina que anseia do seu irmão mais velho a tranquilidade da experiência. Contudo, ao inverso, o irmão, de modo humorístico, mas bem dramático para a personagem ansiosa, responde às inquietudes da irmã com situações surpreendentes, deixando-a obviamente assustada. 

É o avô, personagem apaziguadora do conflito que numa viagem, à sua própria infância, nos relata experiências geracionais e o valor da amizade. O autor aborda na sua narrativa o crescimento, a importância da partilha da família na questão do serenar medos e de partilhar sentimentos. Recorrendo à fantasia do texto de António Mota, Paulo Galindro ilustra a narrativa numa composição de diferentes técnicas e paletas de cor diversificadas onde a ilustração ocupa as páginas, invadindo o texto escrito, de modo a que texto e ilustração se fundem numa amálgama divertida de leituras paralelas.

 

Era Uma Vez um Dia Normal de Escola

Colin McNaughton (texto) e Satoshi Kitamura (ilustração)

Ana Paula Faria – Editora (2005)


A rotina diária habitual de um aluno é alterada com algo fora do normal. A mudança de um professor pode causar efeitos secundários muito positivos na vida de uma criança, especialmente quando essa presença se reveste de originalidade e de música. 

Uma extraordinária viagem de imaginação e criatividade que apela aos sentidos e à capacidade de transformar momentos do nosso imaginário. 

A ilustração de tinta de china, de linha inconstante provocada pela gramagem fina do papel conduz o leitor numa narrativa gráfica que oferece um jogo feliz de tridimensionalidade e bidimensionalidade. O jogo de cores comunica de forma relevante com a intenção da narrativa textual, conduzindo o percurso narrativo num crescendo empolgante até ao desfecho cíclico. 

As próprias guardas do livro contrastam entre si, remetendo a inicial para a monotonia dos dias, em oposição com a guarda final, após a vivência extraordinária de escutar a magia da música e da criatividade. 

Um deleite para a imaginação de todas as idades e claro para os professores que proporcionam dias diferentes aos seus alunos. 

Obviamente que este será também um livro para  todos os que amam a música e com ela se inspiram todos os dias.

 

A árvore da escola

António Sandoval (Texto)

Emilio Urberuaga (Ilustração)

Kalandraka (2017)


Apelando à conservação e preservação da natureza o cenário de composição gráfica centra o plano da ação onde decorre narrativa. O pátio da escola onde uma criança se desloca, na base dos afetos para com a natureza, influenciam o percurso temporal. 

Uma paleta de guache ou acrílico dão a cor à ilustração com elementos definidos, sendo a construção da figura humana, a preto desenhada, em cima da mancha numa interação visual realçando pormenores da narrativa visual acompanhando a textual. A circularidade prévia da narrativa enternece mesmo os mais insensíveis. Remete para a crença nos afectos, o deslumbramento da natureza e a esperança de um mundo que melhor respeite o planeta. 

Nada de mais, extremamente simples, as crianças compreendem. Os adultos, alguns, precisam de se deixar enternecer pelas coisas simples da vida. 

 


Abílio

Marco Taylor

Edição de autor(2016)


Marco Taylor é o autor da ilustração da revista onde foi publicado este artigo. Responsável por diversas obras que manifestamente primam pela originalidade da ilustração e também pelas abordagens fora do convencional editorial. 

Abílio é um dos exemplos. Livro sem texto, deixando ao leitor a construção da narrativa onde, as ilustrações, claramente estão construídas com um fio condutor, mas não estanque na sua interpretação. Desde a capa despretensiosa, às guardas com mensagens nas entre linhas, conduzem-nos para a identidade do personagem que pretende versar. Ilustração com colagens, lápis de traço irregular, com algum trabalho digital numa composição limpa e arejada. 

Uma introdução gráfica antes da ficha técnica, remete-nos para uma leitura cinematográfica da narrativa. Pormenores aparentemente simples, mas que fazem toda a diferença para a compreensão leitora e antecipação da narrativa. 

Abílio é o protagonista, pouco sabemos dele, quase não o vemos, ou talvez seja ele que não quer ser visto. Vagueia noutra dimensão. Vê as coisas de outro ângulo. Vive numa outra perspetiva do mundo. Este porém, é um lugar de regras convencionais que acorrentam os indivíduos que desde cedo sonham outros ciclos. O argumento apresenta um final desenhado, do ponto de vista da ilustração, mas o texto, esse, fica em aberto para a continuidade de outros enredos, outros ciclos, como na vida. Existem imensas possibilidades de leitura, de interpretar e sobretudo de como o aceitar o outro. Lê-se vezes sem conta, tão circular como a vida. Encantador e único como cada indivíduo. 

in: Pró Inclusão Vol. 9, N.º 2 - dezembro 2018