sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - (Re)inícios

Partilho algumas preciosidades de leitura que abordam o primeiro dia de escola para alguns, o seu reinicio para outros ou ainda as experiências significativas dos ciclos que fazem parte da vida.  


Lucas y Oso

José Campanari (texto)

Kristina Andres (ilustração)

OQO editora (2010)


Um livro simples, sem explicações aprofundadas de como as crianças enfrentam os medos e a própria maturação. 

As fases do crescimento nunca são fáceis mas é por isso mesmo que o livro funciona como catarse. Com alguma dose de humor e muita autenticidade, José Campanari, relata os episódios de enurese noturna e o drama do primeiro dia de escola. 

Ilustrações maioritariamente de caneta e aguarela, com técnica de trama para delinear as sombras, transportam-nos para as memórias que associamos à infância. A gramagem e textura do papel com uso pontual de carimbos e algumas composições digitais, de cores pastel quentes, apresentam todo o universo de objetos e cenas do quotidiano a par da imaginação infantil. Os relevos de cores frias evidenciam elementos pontuais em concordância com a oscilação dos sentimentos. 

Crianças pequenas identificar-se-ão com o protagonista. Os mais velhos, irão com certeza recordar esses momentos da infância, com um sorriso nos lábios e um sentimento de nostalgia. 


O primeiro dia de escola

António Mota (texto)

Paulo Galindro (Ilustração

Gailivro (2011)


A preocupação com o primeiro dia escola, por parte de uma menina que anseia do seu irmão mais velho a tranquilidade da experiência. Contudo, ao inverso, o irmão, de modo humorístico, mas bem dramático para a personagem ansiosa, responde às inquietudes da irmã com situações surpreendentes, deixando-a obviamente assustada. 

É o avô, personagem apaziguadora do conflito que numa viagem, à sua própria infância, nos relata experiências geracionais e o valor da amizade. O autor aborda na sua narrativa o crescimento, a importância da partilha da família na questão do serenar medos e de partilhar sentimentos. Recorrendo à fantasia do texto de António Mota, Paulo Galindro ilustra a narrativa numa composição de diferentes técnicas e paletas de cor diversificadas onde a ilustração ocupa as páginas, invadindo o texto escrito, de modo a que texto e ilustração se fundem numa amálgama divertida de leituras paralelas.

 

Era Uma Vez um Dia Normal de Escola

Colin McNaughton (texto) e Satoshi Kitamura (ilustração)

Ana Paula Faria – Editora (2005)


A rotina diária habitual de um aluno é alterada com algo fora do normal. A mudança de um professor pode causar efeitos secundários muito positivos na vida de uma criança, especialmente quando essa presença se reveste de originalidade e de música. 

Uma extraordinária viagem de imaginação e criatividade que apela aos sentidos e à capacidade de transformar momentos do nosso imaginário. 

A ilustração de tinta de china, de linha inconstante provocada pela gramagem fina do papel conduz o leitor numa narrativa gráfica que oferece um jogo feliz de tridimensionalidade e bidimensionalidade. O jogo de cores comunica de forma relevante com a intenção da narrativa textual, conduzindo o percurso narrativo num crescendo empolgante até ao desfecho cíclico. 

As próprias guardas do livro contrastam entre si, remetendo a inicial para a monotonia dos dias, em oposição com a guarda final, após a vivência extraordinária de escutar a magia da música e da criatividade. 

Um deleite para a imaginação de todas as idades e claro para os professores que proporcionam dias diferentes aos seus alunos. 

Obviamente que este será também um livro para  todos os que amam a música e com ela se inspiram todos os dias.

 

A árvore da escola

António Sandoval (Texto)

Emilio Urberuaga (Ilustração)

Kalandraka (2017)


Apelando à conservação e preservação da natureza o cenário de composição gráfica centra o plano da ação onde decorre narrativa. O pátio da escola onde uma criança se desloca, na base dos afetos para com a natureza, influenciam o percurso temporal. 

Uma paleta de guache ou acrílico dão a cor à ilustração com elementos definidos, sendo a construção da figura humana, a preto desenhada, em cima da mancha numa interação visual realçando pormenores da narrativa visual acompanhando a textual. A circularidade prévia da narrativa enternece mesmo os mais insensíveis. Remete para a crença nos afectos, o deslumbramento da natureza e a esperança de um mundo que melhor respeite o planeta. 

Nada de mais, extremamente simples, as crianças compreendem. Os adultos, alguns, precisam de se deixar enternecer pelas coisas simples da vida. 

 


Abílio

Marco Taylor

Edição de autor(2016)


Marco Taylor é o autor da ilustração da revista onde foi publicado este artigo. Responsável por diversas obras que manifestamente primam pela originalidade da ilustração e também pelas abordagens fora do convencional editorial. 

Abílio é um dos exemplos. Livro sem texto, deixando ao leitor a construção da narrativa onde, as ilustrações, claramente estão construídas com um fio condutor, mas não estanque na sua interpretação. Desde a capa despretensiosa, às guardas com mensagens nas entre linhas, conduzem-nos para a identidade do personagem que pretende versar. Ilustração com colagens, lápis de traço irregular, com algum trabalho digital numa composição limpa e arejada. 

Uma introdução gráfica antes da ficha técnica, remete-nos para uma leitura cinematográfica da narrativa. Pormenores aparentemente simples, mas que fazem toda a diferença para a compreensão leitora e antecipação da narrativa. 

Abílio é o protagonista, pouco sabemos dele, quase não o vemos, ou talvez seja ele que não quer ser visto. Vagueia noutra dimensão. Vê as coisas de outro ângulo. Vive numa outra perspetiva do mundo. Este porém, é um lugar de regras convencionais que acorrentam os indivíduos que desde cedo sonham outros ciclos. O argumento apresenta um final desenhado, do ponto de vista da ilustração, mas o texto, esse, fica em aberto para a continuidade de outros enredos, outros ciclos, como na vida. Existem imensas possibilidades de leitura, de interpretar e sobretudo de como o aceitar o outro. Lê-se vezes sem conta, tão circular como a vida. Encantador e único como cada indivíduo. 

in: Pró Inclusão Vol. 9, N.º 2 - dezembro 2018


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