sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Instantes Inclusivos - Teimar em ser diferente ou insistir nas capacidades de talentos escondidos

A duplicidade deste subtítulo remete quer para as apostas em termos editoriais, como o caso de edições de autor ou editoras que preiteiam homenagear a peculiaridade da diversidade, bem como as temáticas abordadas propriamente ditas. Narrativas que olham as diferenças através da empatia com o outro na nossa pluralidade.

 

A História que Acaba Bem. A História que Acaba Assim-Assim. A História que Acaba Mal

 Marco Taylor (texto e ilustrações)

 Edição de autor (2020)

Marco Taylor, autor que já nos brindou com duas capas para a nossa revista (2018), continua a surpreender em cada nova publicação. Com edição de autor em fevereiro de 2020 publica A História que Acaba Bem. A História que Acaba Assim-Assim. A História que Acaba Mal”.

Um livro de uma única capa mas com um miolo dividido em três partes, possibilitando três narrativas diferentes, por conseguinte, com finais diferenciados como evidencia o título. O leitor é assim convidado a decidir como a narrativa termina, mas em minha opinião, sempre aberta a uma circularidade e à possibilidade de outras narrativas para além do que o texto sugere.

A ilustração, de técnica digital, com recurso a utilização de cores frias e quentes usadas na mesma intensidade, remete-nos para um universo com predominância no uso de paisagens onde se situa a ação. Cenários onde a ficção se cruza com o humor, permitindo pela versatilidade deste livro, um desenrolar de inumeras hipóteses textuais criativas por parte dos leitores. Para quem conhece a obra do autor, encontrará também alguns personagens familiares de livros anteriores, possibilitando também, neste caso, narrativas paralelas. Um livro que inevitavelmente solicita ser lido/manuseado repetidamente, vezes sem conta, porque sem dúvida que quem o lê/conta acrescenta sempre mais um “ponto” de vista.

Enciclopédia dos Verbos Felizes  

Marco Taylor (texto e ilustrações)

Edição de autor (2020)


Ainda em 2020, desta vez em dezembro, Marco Taylor volta a surpreender com Enciclopédia dos Verbos Felizes”, um livro numerado à mão, todo ele construído manualmente, requerendo assim, um manuseamento demorado com todos os sentidos. Seguimos com os dedos cada página recheada de aconchegos, deliciando-nos de felicidade no contacto das diferentes texturas sobrepostas que nos oferecem alguns momentos de surpresa e sem dúvida de beatitude.

A cada dupla página é oferecido ao leitor uma mensagem e uma ilustração (com cartolinas cortadas e coladas pelo autor permitindo a tactilidade do material usado) que remete para pequenos gestos/momentos da singularidade da vida que nos permitem saboreá-la nos seus pequenos nadas irrepetíveis. Ações que se transformam em “verbo”, pelo valor inexorável da palavra, mas que nos sentidos remetem, pura e simplesmente, para a insustentável e efémera existência.

Este livro, de tamanho reduzido, tem a grandiosidade notória de nos lembrar que as coisas simples são, efetivamente, capazes de nos remeter para a felicidade.

As imagens das capas deste livros foram retiradas do site onde poderão encontrar e adquirir os livros deste autor:https://www.marcotaylorautor.com/

Camelote

 Texto de Ágata Pereira e João Pereira Carlos

Ilustração Martim Pinho Santos

Editora Canto Redondo (2020)

 A autora do texto não é estreante nestas narrativas, publicou já os livros Adelaide (2016) e Melissa, vidas de invertebrados (2018). Porém, desta vez, fá-lo em co autoria com o seu filho, aluno de 5º ano. O ilustrador, esse sim, um estreante nestas lides é aluno do Curso de Design na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa.

Camelote, o protagonista é um camelo solitário. Vemo-lo na capa e nas guardas iniciar um percurso de quem vai no encalce de outros camelos apresentados na página de rosto. O texto inicial e também a ilustração apresenta-nos um camelo que dorme de um modo peculiar nas noites frias do deserto. Episódio, este, que os amantes de livro ilustrado facilmente identificarão de uma personagem no final de uma outra narrativa, nomeadamente “Burros” (Texto de Adelheide Dahimène, ilustrado por Heide Stollinger, editado pela Orfeu Negro em 2008). É neste livro que conhecemos a solidão de um camelo peculiar em oposição ao casal de burros que são os protagonistas.

O relato de Camelote, nesta narrativa, como protagonista principal, remete para a procura da felicidade de um camelo forte, mas solitário. O texto comove-nos pela empatia com a sua busca de companhia, numa resolução acompanhada de aspetos didáticos e informativos que a ilustração, de técnica mista de lápis, vai completando visualmente, entre páginas que oscilam entre um imaginário infantil e alguma ilustração de certo modo mais minimalista de formas e sombras (bem evidente nas guardas) que de certa forma, em minha modesta opinião, a nível estético, poderia ter sido mantido de modo mais coerente ao longo da narrativa gráfica.

Um final inesperado, com algum humor à mistura, numa perspetiva inclusiva remete para a premissa das peculiaridades individuais e das forças coletivas.


Gemma Merino, ilustradora, nascida na Catalunha, fez a sua estreia no livro infantil com a publicação de O Crocodilo que não gostava de água. Com este livro é galardoada com o prestigioso Prémio de Ilustração Macmillan em 2011, enquanto estudava para o seu mestrado em Ilustração Infantil na Cambridge School of Art. Vem a publicar depois esta narrativa, editada entre nós, em 2016, pela editora Livros Horizonte.

Seguem-se a publicação, pela mesma editora, de A Vaca que Subiu a uma Árvore (2016), A Ovelha que Chocou um ovo (2018), Vicente a lebre impaciente, com texto de Timothy Knapman (2019) e, recentemente, O dragão que não gostava de fogo (2021).

A opção gráfica na ilustração manifesta-se coerente, no modo como é utilizado o recurso ao uso de cores frias de aguarela, lápis cera e técnica mista, oscilando com alguns pormenores de de cores quentes, conferindo, assim visualmente, um depurado equilíbrio estético.

Todos os títulos, bem irreverentes, salientam dificuldades, medos ou ambiguidades sempre com uma perspetiva de olhar o outro e reconhecermo-nos em nós próprios. Entre o primeiro livro publicado desta autora e agora o mais recente, existe uma continuidade visual bem evidente nas guardas de ambos os livros. A coerência textual evidente no primeiro título transporta um personagem para este segundo livro. Podemos quase seguir a vida do personagem em tempos diferentes.

Livros sempre pincelados de humor e muita ternura. Aliás o valor dos afetos, da valorização do tempo e dos momentos insubstituíveis são uma constante em todos os livros .

Pela ordem de edição cruzamo-nos com os medos do crocodilo, as ambições e sonhos de uma vaca, o otimismo e amizade de uma ovelha, a impaciência e correria de uma lebre até aos receios de um dragão. Situações análogas à dos seres humanos, em particular na infância (e não só) remetendo para o valor da diferença, da aceitação, da valorização da amizade e da audácia, numa transversalidade efémera da passagem do tempo.

in: Revista Educação Inclusiva Vol. 12 - nº 1 - julho 2021


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Instantes Inclusivos - Leituras em tempos conturbados

Em tempos de confinamento e sua consequência, devido à pandemia por Covid 19, muitas foram as publicações sobre a temática.

Aliar a atividade da leitura, na promoção do conhecimento, promovendo o caracter lúdico como fonte de aprendizagem, constituíram-se como premissa na transmissão de inúmeras narrativas sobre o novo vírus, de modo a possibilitar a informação de novos tempos e consequências pandémicas.

Contados na primeira pessoa ou experienciando vivências, as narrativas proliferaram, predominantemente em formato digital, compreensivelmente. Porém, algumas delas encontram-se também já em formato físico. São algumas dessas publicações que partilho nesta rubrica, dando ainda continuidade a novas publicações relacionadas com a prática do yoga.


Dicas Coronavirus - Vamos vencer a Covid-19

  Texto: Miguel Correia e Joana Gomes

  Ilustração de Beatriz Braga

  Editora: Ideias com História (2020)

Na coleção intitulada Tudo vai ficar bem, muitos foram os títulos desta editora dedicados a esta temática. Editados em março 2020, foram partilhados on-line, durante o período de estado de emergência devido à pandemia por Covid-19.

Neste título, a narrativa de carater lúdico visa informar sobre os sintomas do vírus, cuidados preventivos a ter em consideração, bem como ideias (dicas) de combater o isolamento que a todos desafiou. A importância da alimentação, o estudo e a saúde não são esquecidas nesta publicação.

Versão em PDF disponível gratuitamente, no link: https://bit.ly/2UFdZz1.

Dias de uma família fechada em casa
Texto de Marta Correia e Miguel Correia
Ilustração de Daniela Leal

  Editora: Ideias com História (2020)

No seguimento da coleção, neste livro a personagem principal, uma jovem de 12 anos descreve o confinamento passado em família e como o mesmo fez realçar o valor de pequenas coisas, alertando também para pormenores de proteção em relação ao vírus. Uma ilustração cuidada e em harmonia com o texto, mantendo a mesma paleta de cores usada ao longo da coleção, permite abordar a temática que decerta forma mudou a sociedade atual, olhando para a família como personagem destas vivências.

 A minha avó tem coronavírus!

 Texto de Susana Amorim, Miguel Correia e Marta Correia

 Ilustração de Beatriz Braga

Editora: Ideias com História (2020)

Nesta edição, com a colaboração da Direção-Geral da Saúde (DGS), a narrativa contada por uma criança realça o impacto do vírus na sua transmissão após uma viagem realizada pela avó. De carácter didático alerta para novas rotinas diárias, assim como a gestão de novas situações e sua compreensão, como é o caso da vivência no hospital com o novo vírus. De um modo subtil, o realce dos profissionais de saúde, a par dos cuidados sempre necessários como prevenção são também elencados.

A ilustração desta publicação mantem a coerência gráfica do livro anterior, destacando-se do primeiro publicado nesta coleção. 


  A minha mãe é médica e já tenho saudades dela

  Texto: Susana Amorim e Miguel Correia

  Ilustração de Beatriz Braga

  Editora: Ideias com História (2020)

Mais um livro recomendado pela DGS, onde a protagonista destaca a importância e relevância dos profissionais de saúde, a par do sentimento de ausência que muitos sentiram em relação aos seus progenitores profissionais que asseguraram a continuidade de serviços essenciais.


  Quando a minha escola abrir ...

  Texto de Susana Amorim e Miguel Correia

  Ilustração de Beatriz Braga

  Editora: Ideias com História (2020)

Numa mudança de paradigma, o enfrentar de uma nova realidade é aqui destacado numa narrativa a sete vozes.

Emoções, pensamentos e dúvidas surgem a par de estratégias para enfrentar os novos tempos.

Pós confinamento outros títulos foram publicados por esta editora, podendo ser adquiridos no site https://ideiascomhistoria.pt/

Neste site encontram ainda a versão em PDF de alguns dos títulos disponíveis gratuitamente.


O meu herói és tu

Roteiro da história e ilustração: Helen Patuck

IASC (2020)

Publicado em março de 2020, esta publicação fruto de um projeto desenvolvido pelo Grupo de Referência do Comité Permanente Interinstitucional sobre Saúde Mental e apoio Psicossocial em Situações de Emergência. Colaboração de mais de 50 organizações que trabalham no setor humanitário, incluindo a Organização Mundial de Saúde, Fundo das Nações Unidas para a Infância, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e Save the Children.

Com a premissa inclusiva de que as mensagens ecoassem em todas as crianças de diferentes continentes, mais de 1700 crianças, famílias, cuidadores e professores de todo o globo deram o seu contributo partilhando a experiência vivida durante a pandemia. Partindo desses testemunhos a equipa do projeto e a ilustradora criaram a narrativa que conta com Sara, personagem principal e seu amigo Ario, uma criatura fantástica, que viajando pelo mundo explica os cuidados de prevenção e como enfrentar situações e emoções de uma nova realidade.,

Na coerência inclusiva de chegar ao maior número de crianças, o livro foi partilhado on-line, traduzido em mais de trinta línguas e numa opção de livro áudio, disponível no link: https://interagencystandingcommittee.org/iasc-reference-group-mental-health-and-psychosocial-support-emergency-settings/my-hero-you

 


Também em março de 2020, a editora Betwein partilhou uma versão online dedicada a esta temática, com o título "Guerreiros da Saúde contra o coronavírus" que podem encontrar nas edições do site: https://www.betweien.com/ .

Livro que visa fornecer alguma resiliência ao tempo de confinamento enquanto de modo didático e despretensioso explica a batalha perante a pandemia na metáfora do confinamento como escudo perante tal ameaça.

O livro encontra-se disponível para download em todas as páginas oficiais da Betweien, no Facebook, Instagram e Linkedin, e também através do website. Pode também ser solicitado o envio por WhatsApp: 912017440.


  O outono do Yoga - Uma viagem pelos sentidos

  Texto de Márcia Viana

  Ilustrações de Um coletivo de duas

  Casa Capaz (2020)

Terceiro livro da coleção Yoga das estações, (já referida na anterior revista onde é publicada esta rubrica), desta vez dedicado ao outono, mantendo, como expetável a sua coerência tanto ao nível do texto, como no aspeto gráfico.

Remetendo para o método Montessouri, em que se inspira esta coleção, a narrativa em torno dos sentidos, desta feita, numa aventura em clima outonal, reforça a conexão com a natureza e a referência à família como suporte afetivo e elemento de segurança.

A ilustração muito arejada em cada página, mantem a simplicidade e beleza de aguarelas, a par de desenho a lápis e composição digital, harmonizando a distribuição equilibrada da mensagem gráfica pretendida. Os elementos da estação são o mote para as diversificadas posturas que vão surgindo a par da narrativa que apela para as descobertas do tempo, numa ligação à família alargada como fonte de passagem de transmissão de conhecimentos. Mantendo a linha editorial dos livros anteriores, no término da narrativa são apresentadas todas as posturas e ainda conselhos a experimentar de exercícios de respiração e de relaxamento.

No final da narrativa uma proposta de expressão livre deixa em aberto a possibilidade individual de outras narrativas.

Mais um excelente livro desta coleção para a prática de yoga e mindfulness.

Para a aquisição do livro podem fazê-lo em: https://casacapaz.myshopify.com/collections/yoga-das-estacoes/


Água da Vida

 Texto de Raquel Gonçalves

 Ilustrações de Isa Silva  (2020)

Raquel Gonçalves é a autora deste texto e responsável pela capa da revista onde se insere este artigo. Já mencionada na publicação anterior desta revista, esta autora, surge agora com outro livro, onde de modo lúdico e recorrendo uma vez mais à escrita em versos, apresenta-nos Manuel, o protagonista do enredo, segundo a autora, “inspirado no ciclo da água, na preservação de algumas espécies marinhas, tendo subjacente o imaginário dos Açores”, apelando, deste modo, para a consciencialização da proteção do mar e da água.

Com base nesta premissa, a narrativa acumula a pertinência terapêutica da água numa relação com o yoga, evidenciando um olhar inclusivo, tanto a nível gráfico como a nível textual. Apresenta-nos a molécula do sal (existente no mar e no nosso coração), vinculando a pertinência do respeito pela natureza mas também a ligação ao outro, evidenciado na postura a pares.

As ilustrações, de Isa Silva, de recurso à composição digital, acompanham em cada página as respetivas posturas indicadas, revelando fielmente o texto e em alguns casos prolongando-o, evidenciando-se em cada página dupla muito preenchimento de detalhes e cenários em vários planos, com imagens sobrepostas.

Com base nos pressupostos do yoga referidos nesta aventura, no final da narrativa, o livro possui 16 cartas de yoga, com as posturas que surgem ao longo da narrativa. Cartas que podem ser destacadas do livro para a prática das posturas. No verso de cada carta, existem explicações detalhadas sobre as respetivas posturas e curiosidades sobre as mesmas, oferecendo diversificadas potencialidades a ser exploradas individualmente.

No final do livro existe ainda uma caixa para montar e guardar as cartas. Ao contrário das ilustrações do livro, nas cartas o enfoque é nas posturas, resultando numa ilustração mais arejada e objetiva.

Um livro que se constitui como um manual para a prática do Yoga e dos seus benefícios, na pertinência da utilização dos nossos recursos internos para conhecer o nosso corpo e criar resiliências.

Sendo uma edição de autor podem adquirir este livro em: https://raquelgoncalves.com/livros/.

in: Revista Educação Inclusiva Vol. 11 - nº 2 - dezembro 2020


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Três Tristes Tigres

 


Três Tristes Tigres 
Trava-línguas, Piadas e Adivinhas

Textos de Luísa Ducla Soares

Ilustrações de Paulo Galindro

Livros Horizonte (2020)

No ano em que se celebra os 50 anos da obra literária de Luísa Ducla Soares, incontornável escritora infanto juvenil, a editora Livros Horizonte, reuniu nesta obra, um conjunto de textos intemporais, recolhidos e selecionados pela autora. Num convite permanente ao jogo das palavras, há lugar para o humor, o non sense, os enigmas, a par da perspicácia e o raciocínio, abrangendo conceitos e aprendizagens transversais. Textos divertidos e hilariantes que associamos facilmente à diversão contagiante dos textos e poemas da referida autora.

Sem narrativa de fio condutor, visto ser uma coletânea de trava-línguas, piadas e adivinhas, a ilustração, a cargo do igualmente incontornável Paulo Galindro, remete-nos para narrativas ilustradas subreptícias, com elementos e personagens que viajam ao longo de páginas com separadores entre as três temáticas. A ideia da planificação ou storyboard que compõe as guardas, (depois convertido digitalmente ao longo das páginas), antecipam o trabalho hercúleo do ilustrador, (responsável também pelo design da capa e paginação) evidenciando a organização temática dos textos e resolução estética para os mesmos.

Pormenores visuais que se interligam entre páginas e convergem numa amálgama de personagens e narrativas paralelas.

Na verdade, um olhar atento, permite a mediação deste livro a partir da contra capa. Aí se inicia uma das possíveis “tramas” visuais, podendo encontrar-se inúmeras outras narrativas e diferentes explorações deste livro. Trocadilhos visuais completam as ideias textuais subjacentes com analogias, num universo fantástico de criatividade e infindáveis leituras. Um livro a não perder, que mistura a sábia poesia de brincar com as palavras a par de uma ilustração que ultrapassa o simbólico e o alarga em ínfimas possibilidades de leitura.

 in: Revista Pró- Inclusão Vol. 11 - nº2 dezembro 2020



sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - Yoga

A questão do Yoga na importância do conhecimento do corpo, como manifestação externa da mente e como esta é influenciada pela alteração das respetivas posturas é uma temática bem pertinente nos dias de hoje, num tempo onde parece existir uma tendência de contrariar a aptidão inata do movimento e da escuta do próprio corpo. Aliar esta atividade à leitura, promove o desenvolvimento da criança com as atividades que seriamente respeitam e incentivam o lúdico como fonte de aprendizagem.  Existem algumas publicações que reúnem estes dois polos e é alguns desses exemplos que partilho nesta rubrica.


As minhas primeiras melodias de relaxamento

Gilles Diederichs. Ilustrado por Emiri Hayashi

Edicare (2008)

Em 2008, a editora Edicare publicava este livro de edição traduzida. Livro cartonado visando o manuseamento por crianças pequenas. O universo da narrativa são os elementos da natureza, acompanhado de um CD, que através de sons e músicas, visa proporcionar momentos relaxantes e de serenidade. Indicado para ser usado pelos pais na interação com as crianças, permite a exploração musical, a par da descoberta do corpo, promovendo a motricidade. 


RESPIRA

Texto e ilustrações de Inês Castel-Branco

Pequena Fragmenta (2015)

A pequena fragmenta passou a ser uma coleção da Editora Akiara. Existindo assim, uma 2ª edição deste livro da Akiara books em 2018. 

Através de um diálogo, entre mãe e filho, é abordada a consciencialização do ato de respirar e dos benefícios que existem na reflexão desse ritual. Ligações à natureza e aos aspetos sensoriais do corpo,  são o fio condutor da narrativa. 

A ilustração numa base de aguarela, completado com recurso a colagens (fotos e outras texturas como cartolina, revistas, papéis diversificados) e também recurso a carimbos, causando destaques na utilização e conjugação dos vários elementos que criam diferentes texturas e relevos. 


 IOGA

Texto De Miriam Raventós. Ilustrações de Maria Giron

Pequena Fragementa (2016)

Neste livro, a narrativa inicia-se com um desafio. Partindo da questão se é possível fazer-se várias coisas ao mesmo tempo, aborda-se a necessidade do ritmo, da espera e uma vez mais, a coisa mais simples e elementar que o ser humano consegue fazer: o respirar. Uma viagem pelas origens do Yoga, na Índia, envolvendo personagens que valorizam apenas uma coisa, simples e natural. 

Ilustração, numa paleta de cores pastel,  que se inicia nas primeiras páginas, como modo de introdução dirigida às crianças, através de uma abordagem aparentemente ingénua,  alternando para uma ilustração muito realista quando se inicia a viagem pelo mundo do yoga. Neste âmbito apresenta um traço anatómico muito bem definido, cativando o leitor para as respetivas posturas, que nos transmitem, para além da beleza estética das mesmas , o impulso para a sua concretização 

Existe um equilíbrio estético de páginas, na medida em que alternam também elas, entre páginas cheias de elementos, contrastando com páginas limpas que deixam respirar o leitor. 

Em ambos os livros da editora Akiara Books, existe no final um guião de leitura, com exercícios simples para a prática de religar o corpo à respiração consciente, bem como exemplos simples de cada postura de Yoga.  

A primavera do Yoga – uma viagem pelos sentidos

Texto de Márcia Viana

Ilustrações de Um coletivo de duas

Casa Capaz (2019)

O Inverno do Yoga – uma viagem pelos sentidos

Texto de Márcia Viana

Ilustrações de Um coletivo de duas

Casa Capaz (2019)

Estas duas publicações, publicadas no ano transato, respetivamente na primavera e no inverno, fazem parte de uma proposta de quatro livros, que acompanhando o ciclo da natureza se coaduna verdadeiramente, ao nível do desenvolvimento da criança. A autora dinamiza sessões de yoga com as crianças, e estes livros constituem-se como um material fidedigno da sua prática.  

Ambos os livros, inspiram-se no Método Montessori, um método que tem o foco na autonomia, liberdade com limites e respeito pelo desenvolvimento natural das habilidades físicas, sociais e psicológicas da criança.

Tendo como fio condutor a evolução da criança, o adulto funciona como mediador, e neste ponto, sendo o adulto responsável pelo desenvolvimento global harmonioso da criança só pode ser um intermediário que faculta várias experiências/vivências de modo a que a criança descubra por si, e não seja, apenas um mero espetador do que o rodeia.

Enquanto no primeiro livro, o foco era na criança e na sua relação com o passar do tempo físico e sensorial, mas também com o conceito espacial de tempo, este segundo livro mantem a mesma premissa, de observar e vivenciar uma aventura na natureza, de modo sensorial, alargando-o a outros elementos espaço temporais e formas do sentir em paralelo com a narrativa, com outros personagens, mais ou menos ocultos. Como é o caso da existência de um ouriço bem escondido, manifestando-se, ainda que discretamente, mas muito marcante, (evidente ao longo da obra) um enorme respeito pela natureza e animais em geral. O respeitar o outro, numa simples observação: “vamos deixá-lo tranquilo”. Assuntos muito sabiamente, bem  explanados  nas capas.

No primeiro livro a importância da polinização e o respeito pela abelha relacionado, obviamente, com a primavera. No segundo livro, a questão da hibernação ligada ao inverno. Em ambos, a passagem do tempo e a transformação.  

Também em ambos os livros, a família é um elemento presente, como fator de segurança e promotor de oportunidades. No caso do Inverno do Yoga,  surgem elementos da família alargada, como é o caso dos avós. É a saída da família que desperta a relação com o mundo exterior e no segundo livro é o retorno à casa, como elemento de proteção que reforça e é contentor de afetos (o que estava já implícito no primeiro), mas que neste segundo é bastante mais evidente.

Em ambos, existe uma coerência similar tanto ao nível do texto, como no aspeto gráfico. Mantem-se organizado do mesmo modo – guardas, (pautadas por pequenos pormenores alusivos à época), a distribuição do texto e respetivas posturas. Olhando para ambos os livros, (que na publicação do primeiro, isso obviamente, podia não ser expectável), percebe-se, agora com a existência do segundo, que se trata de uma coleção. Os pormenores no topo da capa e os da contra capa remetem para uma interdependência temática, neste caso de uma coleção. (Yoga e estações do ano)

Combinando a prática de mindfulness na capacidade humana de estar plenamente consciente dos pensamentos, das emoções e do próprio corpo, oferece conteúdo pedagógico, (supostamente, o público alvo será a idade do pré escolar e 1º ciclo, por consequência educadores de infância e professores de 1º ciclo, bem como pais). Contudo, arrisco, porém, a alargá-la a outros públicos e idades, no âmbito da educação emocional que integra. 

Uma narrativa ilustrada, simples,  mas delicada, acompanhada de uma ilustração realista que se harmoniza na mensagem pretendida. A suavidade da linha desenhada, completada com a pintura primorosa de guache, oferece-nos um conjunto harmonioso limpo e arejado, quer a nível da imagem como da narrativa textual a que se refere. 

Para finalizar, em síntese, considero que ambos os livros contribuem para melhorar a relação com os outros e com o que nos rodeia, bem como fortalece a relação com o próprio. 

No final da narrativa do segundo livro, existe o convite para a experiência de um chocolate quente, a par de uma sugestão de desenho. Apenas como um reparo, deixaria livre a atividade plástica e não um modelo a ser colorido, o que, obviamente, não invalida toda a pertinência deste livro. 

Eu Sou Yoga

de Susan Verde. Ilustração de Peter H. Reynolds 

Nascente (2019).

Sem ter propriamente uma narrativa, este livro,  apela à transformação do corpo e da mente, em particular. Ao longo do desenvolvimento humano existem transformações e experiências e este livro, apela à capacidade da mente criativa para superar desafios e mudanças. Através de dezasseis posturas do Yoga (pormenorizadas num miniguia), de modo criativo, apela, à já fértil imaginação da criança, para a resiliência de enfrentar desafios. O texto, de pequenas frases por página, é acompanhado pelas ilustrações suaves (gauche, rodeado a contorno de linha preta) do consagrado Peter H. Reynold´s, que transformam este livro numa pequena viagem a mundo metafórico. As cores coesas e equilibradas da ilustração remetem-nos para um imaginário poético e contemplativo do que podemos ser, transformando pensamentos em sensações positivas.


A montanha do amor

Texto de Raquel Gonçalves

Ilustrações de Ana Gabriela

Edições Betwein (2019)

Raquel Gonçalves é a autora deste texto que também em colaboração com Carla Lobato dá vida à capa da revista que temos em mão. A autora, enfermeira especialista em saúde materna e obstetrícia,  desenvolve também sessões de Yoga para crianças. Da sua prática, surgiu um desafio inicial para uma história em contexto educativo. Desta experiência surgiu este livro.

A narrativa acompanha uma criança, em idade escolar, que se desafia a conhecer e explorar, o mundo para lá do que observa da sua janela. 

Na sua viagem, explorando a montanha que avista, Júlia, a personagem, encontra animais, proporcionando, nas posturas destes, o conhecimento do corpo individual, a par das experiências/vivências criativas e descobertas sensoriais. São estes desafios, numa conexão de mensagens emocionais e de valores que fazem deste livro uma ferramenta pedagógica de yoga e mindfulness, onde em cada página, o texto (em quadra) traça a narrativa da aventura, de coragem e autoestima, uma exceção na existência de uma quintilha, evidenciando a viragem para a persistência e superação dos receios. A construção da autoconfiança para o retorno ao lugar seguro, na família, onde estão os afetos.  

As ilustrações, de base aguada de aguarela com apontamentos de lápis de cor, numa palete de cores equilibrada entre cores quentes e frias, equilibra o jogo narrativo que se interliga com a coerência das posturas e sentimentos.

 A Tua Cabeça é Como o Céu

 Texto de Bronwen Ballard; Ilustração de Laura Carlin 

  Fábula (2019)

A psicóloga Bronwen Ballard, responsável pelo texto, aproxima-se do leitor, tratando-o pelo pronome pessoal.

Desta cumplicidade próxima, logo evidente na capa, conduz-nos ao longo da leitura, num texto simples e direto, onde alia a prática mindfulness à consciência dos sentimentos.

Numa analogia entre a mente humana e o céu que avistamos, remete-nos para a importância de não menosprezar medos e sentimentos negativos, revertendo para a necessidade de os sabermos reconhecer e ultrapassar, evitando sofrer por antecipação.  

Numa ligação simbólica entre texto e ilustração, o jogo contemplativo e nostálgico de ambos, transporta-nos para um estado de infância permanente. As ilustrações harmoniosas da premiada Laura Colin, numa paleta de cores suaves, com utilização de técnicas mistas, (como aguarela, acrílico e lápis de cor), remetem-nos para um ambiente bucólico e difuso  aumentando a narrativa escrita. Os jogos de sombras e os desenhos, como que de esboço, se tratassem, constituem-se como um deleite para os sentidos, onde apetece apaziguarmo-nos com a nossa existência. 

in: Educação Inclusiva - Revista da Pró-Inclusão:  Associação Nacional de Docentes de Educação Especial  - Vol. 11, N.º 1 - junho 2020

https://proandee.weebly.com/revista_v11n1_jun2020.html

ler: https://issuu.com/geral-proinclusao/docs/inclusiva_vol.11_n.1_issuu

descarregar: 

https://proandee.weebly.com/uploads/1/6/4/6/16461788/revista_educacao_inclusiva_vol.11_n.1.pdf


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Para dormir



Para dormir
Teresa Cortez
Gatafunho (2020)

O formato, cartonado, de cantos arredondados, deixa previsível ao olhar e ao manuseamento, o público alvo deste pequeno livro. 
Pequeno de tamanho, (é essa a única justificação de se apelidar esta pequena preciosidade de livros para bebés ou para crianças pequenas),  diga-se, inversamente ao envolvimento da sua narrativa com o leitor. A narrativa escondida e circular, remetendo para a infância, transporta-nos para a ligação à natureza, ao afeto, à simplicidade da vida e ao non sense criativo rítmico e cumulativo da brincadeira com as palavras. A descoberta do mundo afetivo da criança e da ligação com os objetos.
As ilustrações convidativas, de cores vivas em técnica mista (desenho, recortes) apelam aos sentidos entrecruzando-se com o pequeno texto executado em carimbos, material bem ao gosto das crianças, manuseando-se a narrativa em várias posições do livro.
Para dormir é um livro que convida ao momento da viagem da ida para a cama, permitindo o seu reconto inúmeras vezes, na circularidade da narrativa da última página com a capa. Talvez por isso não seja, digo eu, uma estória para adormecer. Antes sim, um convite ininterrupto para a aprendizagem das palavras. 

domingo, 3 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - Livros Peculiares e autónomos

Todos os livros começam com um início, talvez por, Era uma vez. Mas qual o fim dos livros? Que objetivo oculto, oferecem na sua potente existência?

E que desígnio oferecem as diferentes edições, formatos, tamanhos, nesses objetos surpreendentes que se convertem, ou são, na sua essência livros?

Apresento-vos pois, alguns desses personagens com corpos e posturas, pouco habituais, mas que desafiando a sua finalidade cumprem-na, extrapolando-a. Intitulam-se como livros fora do comum, espicaçando o leitor a ser participante ativo, atento aos olhares à transição para novas narrativas, provocando reações díspares, agregando o eterno prazer da leitura. O conceito de livro extravasa assim para a poesia e para a dimensão plástica, por isso, os considero especiais com autonomia para seduzir o leitor. 

Korokoro

Émile Vast

Barbara Fiore editora (2009)

Um livro objeto, precioso, tanto na narrativa como no sentido estético da mesma. 

Em formato de harmónio/acordeão, este pequeno livro da autoria da autora/ilustradora Émile Vast, leva-nos numa viagem poética pela natureza, num desfile de imagem que nos surpreende permanentemente. A atenção aos detalhes que nos alertam para a observação dos mesmos, numa narrativa livre, dependendo da interpretação do leitor, conduz-nos ao deslumbramento cumulativo de situações. 



Mala quadrada, cabeça quadrada
Patrícia Vasconcelos 
 Ilustrações e design gráfico:
Eduardo Souza, Gabriela Araújo
Caleidoscópio (2018)

Um livro triangular que nos surpreende antes de o abrirmos, no seu formato, no convite ao sensorial, do toque, ao apelo do visual no sentido estético, na sua materialidade que convida a ser manuseado de diferentes formas, mesmo antes de iniciar a narrativa, onde cabe um espaço e uma vida. 
É o leitor que ao manusear o livro quadrado, no decurso das suas páginas, encontra a narrativa de muitas vidas quadradas, de outras tantas cabeças quadradas.  Imagens abstratas  num mundo concreto de sonhos e visões individuais. 


Girassol 
Inês Almeida e Nicholas Carvalho
Casa Nic e Inês (2019)

Um livro que se desembrulha num presente para os sentidos. Uma ilustração que se vai contemplando numa sequência vertical até se completar num todo, numa circularidade ilimitada de criatividade narrativa. Tão simples, sem palavras. Apetece dizer que a imagem vale mais que as palavras, porque essas irão surgir, espontaneamente em novos significados emergentes. 


na noite escura
Bruno Munari 
Bruáa (2011)

Bruno Munari é um autor exímio em livros fora de formato, designer influente, transcende nas suas publicações diversificadas onde evidencia experiências e conceitos. Neste caso a narrativa acontece paralelemente ao ritmo visual de recortes, sobreposições de acetatos e variações de texturas e manchas,  numa consonância magistralmente concebida. 



O jogo das Fábulas
Enzo Mari 
Edizioni Corraini (2013)

“O Jogo das Fábulas, criado por Enzo Mari em 1965, ainda é considerado um dos jogos mais importantes e inteligentes para estimular a criatividade.” Pode-se ler no verso do livro/jogo. Pode-se considerar um livro de imagens, sem texto. Considerado como um jogo, é composto por 6 placas que se recolocam possibilitando diversificadas e ilimitadas narrativas. 


Isto ou aquilo?
Dobroslav Foll 
Bruáa editora (2011)

Um livro jogo que brinca com o manuseamento da ilustração. 
Sobrepondo uma grelha de acetato e deslocando-a sobre a ilustração o leitor irá visualizar duas imagens que se transformam mutuamente. Dezasseis imagens intuitivas compõem este livro que explora a simplicidade das formas e cores dos objetos que permitirá desafios sem limite.




Vir ao mundo
Emma Giuliani
Edicare (2014)

Mais um livro em que se abre em forma de harmónio, num fundo branco com imagens a preto, flores ocultas, cabendo ao leitor, tocar-lhes e em forma de pop up dar-lhes vida, que é como quem, diz vir ao mundo.  Um livro poético que aborda o dar e receber, numa delicada sucessão de imagens, com pormenores subtis para leitores atentos. São poucas as palavras, mas imensa a fragilidade poética a par do objeto livro, tal como a vida, que pode ser bela mas efémera. 




Bolas de sabão 
Emma Giuliani
Edicare (2015)

Um pouco à semelhança do livro anterior a autora/ilustradora partilha momentos poéticos da vida. Desta vez, as páginas habituais num livro, são acompanhadas por pop-up de objetos peculiares que se destacam deambulando pelas memória de infância. 


9 meses
Jean-Marc Fiess 
Edicare (2016)

Da anterior editora, um livro soberbo para qualquer idade. Em cada página um pop –up acompanha o processo de desenvolvimento embrionário, envolto em alegria, espera e receios  até ao fim da gestação. Uma ode à vida de modo sublime. 


Em que pensas tu?
Laurent Moreau
O bichinho de conto (2017)

Em cada página um personagem e o seu pensamento.
Porque cada um de nós pensa em qualquer coisa ou não pensa em coisa nenhuma.  Pequenas janelas que se abrem ao pensamento coletivo e nos faz ser como os demais, sendo sempre únicos. 
 

Pra Lá do Escuro
Márcia Misawa
Baba Yaga (2017)

Pra lá do escuro é um livro em forma de harmónio, com pormenores recortados manualmente, em cada página.  Uma viagem de coragem, através do escuro, onde se instigam medos para encarar os sonhos individuais. Um deleite poético e estético.
A tromba
Tino Freitas e Debora Barbieri
Baba Yaga (2019)

Mais um livro da mesma editora do livro anterior. Uma editora brasileira com produção manual de livros fora de formato.
O formato deste exemplar, com um elástico a prender o seu harmónio, transforma-se em livro jogo. Ao desenrolar-se, revela uma lenga- lenga poética e cheia de humor. Um livro desafiante no que se refere à linguagem e nonsense desafiante e criativo. 


Não se pode em falar em livros fora de formato, sem se falar do fabuloso trabalho da autora/ilustradora checa Kveta Pacovska. No seu rol de livros, difícil é escolher um para documentar. A título de exemplo abordo o MidNight Play. Em forma de jogo, o livro apresenta um grupo de atores que exibem um espetáculo para a lua e esta premeia-os com a sua visita. As páginas do livro apresentam-se divididas, podendo combinar personagens e vestes, acompanhando a presença da lua presa por um cordel, construindo novas narrativas. Ideia simples, aparentemente, vista possivelmente noutros livros. Contudo o trabalho gráfico da autora, fazem deste livro, ou de qualquer um outro da sua autoria,  uma verdadeira obra de arte. 




Helena Zália, a ilustradora da capa da revista onde se insere este artigo, é ela própria responsável por livros fora de formato, exemplares únicos e ilimitados, da sua própria editora (zai-zai edições). Livros à medida de uma mão (como publicita a autora), feita à mão e com carimbos, que em tudo apela à imaginação. 


Marina, com texto de Guillermo Estrada Maurin (2007), em formato de harmónio, conduz-nos à viagem poética a uma cidade e à sua ligação com o mar ou a ausência deste. Um deleite textual e gráfico que oferece aos sentidos a textura reminiscente de um sonho marinho. 

No caso de Baloiçar, com autoria do texto de Anabela Mateus, Rita Vizinho e Vanessa Magalhães, o livro oferece a leitura em formato de harmónio, deixando para o final a surpresa de maior dimensão a par da mensagem concertada com a narrativa estética e poética que antecede o final. Uma folha única, abre-se, revelando-se para o mundo do leitor, em prole da circularidade textual, mas também da própria vida. 











sábado, 2 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - A importância das perdas

O livro ilustrado tem sido o fio condutor desta rubrica no sentido de que os momentos de partilha dos mesmos sejam, isso mesmo, instantes inclusivos que refletem a diversidade, na escola, na sociedade, na vida. 

A importância da nossa existência efémera é a motivação para apreciarmos cada instante, contrariando a frenética passagem do tempo, pois nela existem episódios de perdas e de resiliência. 

O quotidiano com momentos simbólicos que os livros replicam, porque afinal, cingem-se a abraçar a vida para de algum modo amenizar as perdas.


O livro da Avó 

Texto e ilustração de Luís Silva

Edições Afrontamento (2007)


O livro da Avó, originalmente publicado em grande formato, proporcionava o impacto do seu manuseamento, oferecendo a experiência de um contacto com a ilustração como de uma grande tela se tratasse. 

Em qualquer das suas edições, a tela “fotográfica” permite-nos visualizar as memórias de um neto através dos momentos partilhados numa casa onde habitavam aventuras e mimos. As ilustrações sépia transportam o protagonista e também o leitor para um cenário onde se vivenciam os sentidos. Os cheiros, as escutas de histórias partilhadas, a vista da varanda com o mar no horizonte até ao vazio da ausência. O sentimento da saudade e dos afetos na circularidade das mensagens afetivas entre avó e neto. Um livro que folheamos vemos sem conta num sentimento de carinho nostálgico. 

Merecidamente, este livro foi vencedor do Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância em 2008.

 O comboio

Texto de Silvia Santirosi

Ilustrações de Chiara Carrer

OQO Editora (2012)


O sentimento da perda vincado pela ausência de alguém. 

Uma corrida contra o tempo protagonizado num sonho simbólico numa viagem de comboio. A impotência perante o futuro e o desejo de inverter o irremediável  numa talentosa narrativa que combina texto e ilustração que permitem compreender a tenebrosa escuridão das perdas e percepcionar a necessidade de tempo para assimilação  da realidade.

Se o texto é extremamente simbólico, também o é a composição de Chiara Carrer na ilustração conceptual de desenhos simples, quase esboços frágeis como a vida mas que delicadamente nos enternecem entre os afectos protagonizados entre pai e filha. 


O Regresso 

Texto e Ilustração Natalia Chernysheva

Bruáa (2014) 


Um livro sem texto onde a narrativa é feita na interpretação das ilustrações. Estas, de linhas  arejadas e de predominância de preto e branco remetem para imagens do passado transportando uma certa nostalgia no folhear das mesmas.

O regresso aos reencontros, as recordações de cheiros, as flores, os jardins. Os espaços deixados pelas saudades. Os afectos que apesar da ausência permanecem para sempre na memória. Os lugares que revisitamos e a que regressamos, em muitos casos, como se fosse a primeira vez, onde se desfazem recordações imaginadas e se renovam forças nos abraços de quem nos espera. 

Um livro que devolve as memórias apesar de eventuais perdas.


 

Arturo 

Texto de Davide Cali 

Ilustração de Ninamasina 

Bruaá Editora (2012)


Arturo,  como nos é revelado na capa é um cão, e é ele o protagonista da narrativa. 

O texto transporta-nos para uma busca incessante de alguém que Arturo procura. A ilustração através de fotografia, aumenta o impacto da narrativa. Sendo este cão protagonizado por um peluche é a componente da imagem que nos envolve na narrativa e nos faz identificar com a perda do personagem. Surpreendentemente esquecemos facilmente que não é humano, nem sequer um ser vivo. Mas que representa a busca incessante da perda de alguém.   

A procura nos lugares costumeiros por alguém que o leitor desconhece  mas que progressivamente vamos percebendo as rotinas, os locais. 

A procura incondicional, porque assim o é o amor. Um livro tão enternecedor quanto a busca incessante de um retorno, de uma companhia e consolo.  


O Urso e o Gato Selvagem

Texto de Kazumi Yumoto

Ilustração de Komako Sakai 

Bruaá Editora (2011)  


Uma vez mais, um animal é o protagonista de uma perda. Desta vez um urso, que tal como os humanos, reage negativamente à morte do seu amigo pássaro. A narrativa extremamente comovente quer ao nível do texto, como da ilustração circula sobre o nosso olhar cinéfilo de um álbum de fotos antigas que acompanha o processo de luto, envolto em memórias e afectos mas também a aventura de um futuro próximo com apoio e reforço de uma nova amizade com um gato selvagem.

 


O coração e a garrafa

Oliver Jeffers

Orfeu Mini (2010)


Um livro soberbo do excepcional artista multifacetado Oliver Jeffers.  

Utilizar metaforicamente a ideia de uma criança guardar o coração numa garrafa para se proteger da perda, é em si já um fabuloso enredo. Depois a acrescentar à narrativa a técnica mista de ilustração com recurso à imagem fotografada para nos envolver é um deleite visual. 

Como a protagonista sentimos a curiosidade pelo mundo e desmoronamos com a noção de perda. Com ela vivemos a necessidade do tempo para minimizar a perda e vivenciamos sentimentos com os que nos rodeiam. O mistério da circularidade da vida . Uma pequena enciclopédia dos sentimentos que nos deixa o coração literalmente exposto, metaforicamente, falando, obviamente.

 


Para onde vamos quando desaparecemos

Texto de Isabel Minhós Martins

Ilustrações de Madalena Matoso


Com base na premissa que o desaparecimento só acontece se alguém der conta, este livro aborda a questão da perda e da morte de um modo contínuo e com algum humor. Revelando a temática para um assunto da curiosidade humana  é traçado uma narrativa do ponto de vista da ilustração com uma linha preta que funciona como fio condutor do percurso que cada um de nós faz na vida, preenchido com memórias, escolhas e afectos. 



Paraíso 

Bruno Gibert 

los quatro azules (2009)

De um modo prático e aparentemente simples mas inteligente e exponencialmente poético o autor remete as ilustrações para símbolos iconográficos.

Na utilização da sinalética convencional o autor utiliza não só a linguagem da palavra mas também a linguagem das emoções, estabelecendo com o leitor um diálogo sem respostas sobre a morte nas mil e umas perguntas que sobre ela frequentemente fazemos. 

Um percurso de memórias onde o autor nos transporta para as questões de uma viagem sem retorno. Quem sabe, para o Paraíso?


O tempo do gigante

Texto de Carmem Chica 

Ilustrações de Manuel Marsol

Orfeu Negro (2015)

Um livro que se apresenta em grande formato (24,4 x 34,5 cm), manifestando-se desta forma como arrebatador e imponente. 

A grande figura, protagonista da capa e da narrativa conduz-nos desde logo a esse arrebatamento. A questão da grandeza. 

E é precisamente nesse trocadilho sensorial que vive a narrativa. 

Com escasso texto a acompanhar as ilustrações sublimes, remete-nos para a vida do individuo na sua dimensão e na sua passagem pela vida. De uma forma singela remete para as passagens das estações e consequentemente para a passagem do tempo. A importância de se olhar os minúsculos acontecimentos, que aparentemente na rotina dos dias se parecem iguais. Uma ode à passagem do tempo, às memórias e à valorização dos momentos. 

Livro premiado na categoria de melhor ilustração de livro infantil (autor estrangeiro) na BD amadora 2015. 

Em 2014, cinco ilustrações desta obra, tinham sido já premiadas em 2014, com o Prémio do Catálogo Ibero-Americano de Ilustração, pela sua qualidade gráfica e estética e sensibilidade poética.  

in: Revista Pró Inclusão Vol. 10, N.º 1 - junho 2019