sábado, 2 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - A importância das perdas

O livro ilustrado tem sido o fio condutor desta rubrica no sentido de que os momentos de partilha dos mesmos sejam, isso mesmo, instantes inclusivos que refletem a diversidade, na escola, na sociedade, na vida. 

A importância da nossa existência efémera é a motivação para apreciarmos cada instante, contrariando a frenética passagem do tempo, pois nela existem episódios de perdas e de resiliência. 

O quotidiano com momentos simbólicos que os livros replicam, porque afinal, cingem-se a abraçar a vida para de algum modo amenizar as perdas.


O livro da Avó 

Texto e ilustração de Luís Silva

Edições Afrontamento (2007)


O livro da Avó, originalmente publicado em grande formato, proporcionava o impacto do seu manuseamento, oferecendo a experiência de um contacto com a ilustração como de uma grande tela se tratasse. 

Em qualquer das suas edições, a tela “fotográfica” permite-nos visualizar as memórias de um neto através dos momentos partilhados numa casa onde habitavam aventuras e mimos. As ilustrações sépia transportam o protagonista e também o leitor para um cenário onde se vivenciam os sentidos. Os cheiros, as escutas de histórias partilhadas, a vista da varanda com o mar no horizonte até ao vazio da ausência. O sentimento da saudade e dos afetos na circularidade das mensagens afetivas entre avó e neto. Um livro que folheamos vemos sem conta num sentimento de carinho nostálgico. 

Merecidamente, este livro foi vencedor do Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância em 2008.

 O comboio

Texto de Silvia Santirosi

Ilustrações de Chiara Carrer

OQO Editora (2012)


O sentimento da perda vincado pela ausência de alguém. 

Uma corrida contra o tempo protagonizado num sonho simbólico numa viagem de comboio. A impotência perante o futuro e o desejo de inverter o irremediável  numa talentosa narrativa que combina texto e ilustração que permitem compreender a tenebrosa escuridão das perdas e percepcionar a necessidade de tempo para assimilação  da realidade.

Se o texto é extremamente simbólico, também o é a composição de Chiara Carrer na ilustração conceptual de desenhos simples, quase esboços frágeis como a vida mas que delicadamente nos enternecem entre os afectos protagonizados entre pai e filha. 


O Regresso 

Texto e Ilustração Natalia Chernysheva

Bruáa (2014) 


Um livro sem texto onde a narrativa é feita na interpretação das ilustrações. Estas, de linhas  arejadas e de predominância de preto e branco remetem para imagens do passado transportando uma certa nostalgia no folhear das mesmas.

O regresso aos reencontros, as recordações de cheiros, as flores, os jardins. Os espaços deixados pelas saudades. Os afectos que apesar da ausência permanecem para sempre na memória. Os lugares que revisitamos e a que regressamos, em muitos casos, como se fosse a primeira vez, onde se desfazem recordações imaginadas e se renovam forças nos abraços de quem nos espera. 

Um livro que devolve as memórias apesar de eventuais perdas.


 

Arturo 

Texto de Davide Cali 

Ilustração de Ninamasina 

Bruaá Editora (2012)


Arturo,  como nos é revelado na capa é um cão, e é ele o protagonista da narrativa. 

O texto transporta-nos para uma busca incessante de alguém que Arturo procura. A ilustração através de fotografia, aumenta o impacto da narrativa. Sendo este cão protagonizado por um peluche é a componente da imagem que nos envolve na narrativa e nos faz identificar com a perda do personagem. Surpreendentemente esquecemos facilmente que não é humano, nem sequer um ser vivo. Mas que representa a busca incessante da perda de alguém.   

A procura nos lugares costumeiros por alguém que o leitor desconhece  mas que progressivamente vamos percebendo as rotinas, os locais. 

A procura incondicional, porque assim o é o amor. Um livro tão enternecedor quanto a busca incessante de um retorno, de uma companhia e consolo.  


O Urso e o Gato Selvagem

Texto de Kazumi Yumoto

Ilustração de Komako Sakai 

Bruaá Editora (2011)  


Uma vez mais, um animal é o protagonista de uma perda. Desta vez um urso, que tal como os humanos, reage negativamente à morte do seu amigo pássaro. A narrativa extremamente comovente quer ao nível do texto, como da ilustração circula sobre o nosso olhar cinéfilo de um álbum de fotos antigas que acompanha o processo de luto, envolto em memórias e afectos mas também a aventura de um futuro próximo com apoio e reforço de uma nova amizade com um gato selvagem.

 


O coração e a garrafa

Oliver Jeffers

Orfeu Mini (2010)


Um livro soberbo do excepcional artista multifacetado Oliver Jeffers.  

Utilizar metaforicamente a ideia de uma criança guardar o coração numa garrafa para se proteger da perda, é em si já um fabuloso enredo. Depois a acrescentar à narrativa a técnica mista de ilustração com recurso à imagem fotografada para nos envolver é um deleite visual. 

Como a protagonista sentimos a curiosidade pelo mundo e desmoronamos com a noção de perda. Com ela vivemos a necessidade do tempo para minimizar a perda e vivenciamos sentimentos com os que nos rodeiam. O mistério da circularidade da vida . Uma pequena enciclopédia dos sentimentos que nos deixa o coração literalmente exposto, metaforicamente, falando, obviamente.

 


Para onde vamos quando desaparecemos

Texto de Isabel Minhós Martins

Ilustrações de Madalena Matoso


Com base na premissa que o desaparecimento só acontece se alguém der conta, este livro aborda a questão da perda e da morte de um modo contínuo e com algum humor. Revelando a temática para um assunto da curiosidade humana  é traçado uma narrativa do ponto de vista da ilustração com uma linha preta que funciona como fio condutor do percurso que cada um de nós faz na vida, preenchido com memórias, escolhas e afectos. 



Paraíso 

Bruno Gibert 

los quatro azules (2009)

De um modo prático e aparentemente simples mas inteligente e exponencialmente poético o autor remete as ilustrações para símbolos iconográficos.

Na utilização da sinalética convencional o autor utiliza não só a linguagem da palavra mas também a linguagem das emoções, estabelecendo com o leitor um diálogo sem respostas sobre a morte nas mil e umas perguntas que sobre ela frequentemente fazemos. 

Um percurso de memórias onde o autor nos transporta para as questões de uma viagem sem retorno. Quem sabe, para o Paraíso?


O tempo do gigante

Texto de Carmem Chica 

Ilustrações de Manuel Marsol

Orfeu Negro (2015)

Um livro que se apresenta em grande formato (24,4 x 34,5 cm), manifestando-se desta forma como arrebatador e imponente. 

A grande figura, protagonista da capa e da narrativa conduz-nos desde logo a esse arrebatamento. A questão da grandeza. 

E é precisamente nesse trocadilho sensorial que vive a narrativa. 

Com escasso texto a acompanhar as ilustrações sublimes, remete-nos para a vida do individuo na sua dimensão e na sua passagem pela vida. De uma forma singela remete para as passagens das estações e consequentemente para a passagem do tempo. A importância de se olhar os minúsculos acontecimentos, que aparentemente na rotina dos dias se parecem iguais. Uma ode à passagem do tempo, às memórias e à valorização dos momentos. 

Livro premiado na categoria de melhor ilustração de livro infantil (autor estrangeiro) na BD amadora 2015. 

Em 2014, cinco ilustrações desta obra, tinham sido já premiadas em 2014, com o Prémio do Catálogo Ibero-Americano de Ilustração, pela sua qualidade gráfica e estética e sensibilidade poética.  

in: Revista Pró Inclusão Vol. 10, N.º 1 - junho 2019



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