domingo, 8 de janeiro de 2017

Instantes Inclusivos - Perpetuar memórias

Instantes inclusivos...
Perpetuar memórias.

A intenção de nos colocarmos no lugar do outro é fundamental, os livros  constituem um meio para compreender o inexplicável da condição humana, testemunhos para perpetuar a memória futura, preservando o passado.
Como poder abordar o que se recusa sequer pensar, encarando a procura da interpretação do que em muitos casos não é compreensível?
Desdobrar os sentidos que vão para além de compreensão na comunicação de acontecimentos vividos, numa vinculação de passar a mensagem metafórica. Bússola interna para resistir entre a espécie humana na sua complexidade.
Situações difíceis de imaginar, em muitos casos, mas que, infelizmente, se repetem hoje em dia e tendem a perpetuar-se. É necessário não esquecer que as guerras continuam por diferentes partes do planeta. Infelizmente o ciclo dos acontecimentos de barbáries repete-se diariamente e voltará a repetir-se em diferentes formatos.
Na prática pedagógica é necessário aludir aos tempos conturbados das diferentes nações, no direito à liberdade de expressão. Importa para isso lembrar, preservando a memória, infelizmente sempre atual. As guerras constantemente vividas, ódios inexplicados, relações impossíveis determinadas pela diferença, acontecimentos, infelizmente, permanentemente atuais, razões para a importância da partilha e leitura destes livros. 
Livros onde em muitos casos, os narradores são observadores de um cenário humano amotinado por situações dramáticas que na maioria dos casos nos transportam a cenários de uma guerra, que, pode ser qualquer guerra... A intolerância de regimes que a civilização humana revela no seu pior estado. Contos onde se expressam os afectos verdadeiros e essenciais do ser humano como solidariedade e amizade, a capacidade de apreciar a beleza em coisas simples, mesmo quando parece que a vida se aproxima do seu término. Memórias de um tempo de preconceitos e barbáries que é preciso lembrar, dolorosamente, sempre, atual.
A Máquina infernal[1] com texto e ilustração de Alain Corbel assenta numa metáfora da capacidade inata do ser humano para o bélico, catarse positiva que permite que a brincadeira se converta em algo pacifista. Os comportamentos e consequências das palavras e dos gestos, que por analogia podem converter-se no seu inverso. A guerra e as suas consequências na esperança fervorosa de que as crianças podem mudar o mundo.
A ilustração manual de técnica mista, com a presença complexa na diversidade de materiais (guaches, pastel e aguarelas entre outros) oscila entre o colorido do mundo positivo e o contraste com cores quentes mas pouco saturados na presença dos cenários bélicos. Uma narrativa nada infernal para contrariar os impulsos belígeros. 

La guerre des mots,[2] (A guerra das letras, em português) tendo como fundo central a discriminação, aborda a supremacia de uma raça, crença na neglicência pelo seu semelhante. Neste caso o mundo dominado por números em detrimento da comunicação verbal, que fazem das letras rebeldes na luta pelo poder. A ilustração digital, de cores garridas maioritariamente opostas ou complementares, sobre fundo preto e colocadas de forma dinâmica, utiliza os contrastes entre as formas e cores, complementado depois por traço livre. As personagens, cuja anatomia geometrizada é ilustrada por números ou letras remetem para a simbologia humana.
Analogias e metáforas facilmente identificáveis por adultos atentos, com referências artísticas, a momentos da história da pintura (Delacroix; Caspar David Friedrich) e da fotografia (batalha de Iwo Jima) entre outras, num espetacular e ambicioso desfile estético com um remate feliz e apelando à pacificação de contendas. Merecidamente recomendado pela Amnistia internacional pela abordagem no respeito pelos direitos para todos em todo o mundo. 

A guerra[3] de Anaïs Vaugelade
Uma ilustração com fundos que mostram panoramas de aguadas ténue sem grande detalhe, muito fluídas a transportarem o leitor para um cenário envolto numa espécie de fumo, manchas simples que tomam forma através da linha, em correlação com o distanciamento das pessoas ou do assunto principal. A construção das personagens simplifica a anatomia com proporções levemente “acaricaturadas” que entregam mais dramatismo às personagens.
Uma narrativa metafórica criada pela analogia e simbologia das cores, cores com vários tons da mesma gama e intensidade de um exército azul e um outro vermelho, fruto dos respetivos reinados nas suas rivalidades. A abordagem da insignificância das guerras e o impacto destas, na vida das pessoas. Dois exércitos inimigos que através da astúcia de uma criança se tornam aliados contra um terceiro reino, o dos amarelos, que tarda em chegar  ou que nunca chega, fazendo com que os pontos de vista da cor se esbatam para nunca existir mais qualquer guerra.

Warum?[4] (em português: Porquê?) de Nicolai Popov (ilustração).
De repente do meio do nada a quebrar o silêncio, quando menos se espera a confusão instala-se. Um livro de imagens de ténues manchas aguadas bastante constantes, mantendo a uniformidade estética que se progressivamente se intensificam na quantidade e na força do contraste ilustrativo ajudando ao dramatismo da narrativa. Manchas constituem a forma e cor, que ganham forma através da linha de forma antropomorfizada. Personagens de animais são simplificadas ao elemento mas não em demasia, ainda assim com pontual pormenor com impacto universal da caracterização humana, as duas espécies em questão (rãs e ratos), apresentam-se como massificação, não existindo individualidade dentro da espécie, por assemelhação à massa humana que carateriza o aglomerado de um povo, de um exército em detrimento da individualidade de cada um. Sendo a estória contada só através de imagens, a parafernália de maquinaria é interpretada como uma espécie de reciclagem de elementos inesperados (sapatos, chapéus), dando a ideia de uma dimensão pequena em termos de escala do universo onde decorre a narrativa. No final, como em todas as guerras já nada resta, só destroços e terra desbravada, assim simplesmente, só nos resta perguntar: Porquê?

L´ennemi [5](em português: “O inimigo”) A guerra tem sempre dois lados.  Neste caso dois homens e duas trincheiras, o que os distingue? Serem o inimigo. Mas como é o inimigo. ? " O inimigo está lá mas eu nunca o vi." Um homem como qualquer outro, com família, com receios. A separação de uma extensão de terreno. Um jogo de espera e de desespero perante a inutilidade da guerra. 
Ilustração simples mas poderosa, próxima do “cartoon”, caneta e tinta, com elementos de colagem como fotos de família, fornecem aos leitores uma visão panorâmica nas semelhanças dos homens. O espaço branco, vazio da página, dá a grande dimensão da solidão e do vazio, ao mesmo tempo que se centraliza no foco principal sem pormenores distratores para a convergência da narrativa. De traço, que muitos poderão considerar infantil, é um traço objetivo na realidade do que é focado. As texturas como factor de aparente trimendimensional, como as dobras das páginas, ou os buracos, constituem um jogo estético belissimamente construído.
Um livro de imagens da dupla Davide Cali e Serge Bloch (este último, recentemente esteve entre nós em destaque na Ilustrarte 2016 e ambos participaram o ano passado num Colóquio na Gulbenkian sobre Livro Infantil).  Um olhar sobre o soldado solitário num campo de batalha estéril. A ironia da componente humana. O que cada um descobre, como a história se desenrola, é que o inimigo não é uma besta sem rosto, mas sim uma pessoa real, com a família, receios e sonhos. Mais um livro recomendado pela Amnistia internacional pela abordagem e reflexão sobre as causas e consequências  da Guerra Mundial no Século XX.

O principio[6] texto de Paula Carballeira e ilustração de Sonja Danowski oferece-nos uma ilustração híper realista que partindo dos elementos reais os exagera enfatizando o dramatismo (tanto personagens como os elementos) com cores pouco saturadas e ténues (uma palidez que se assemelha à lividez dos rostos tristes que vivenciam os trágicos acontecimentos).  Uma textura de cores bastante trabalhada que se vão fazendo notar mais com o impacto da transição da estória num apelo à esperança. O fim de algo como no ciclo da vida predispõem um novo inicio. Um apelo à esperança num relato poético da voz de uma criança que nos apresenta o decorrer de uma guerra.
Livros que invocam as guerras que infelizmente se sucedem. Momentos trágicos da humanidade, circunstâncias que eventualmente não queremos ver repetir, questionando-nos como são possíveis na evolução filogenética, e que vão sendo continuamente replicados.  
Elvira Cristina Silva




in: Educação Inclusiva Vol. 7, nº 1 junho 2016 (pág.  45- 47) Revista da Pin- ANDEE - Essociação Nacional Dos Docentes de Educação Especial
capa de Raquel Reis

1 A Máquina Infernal.  Alain Corbel (Texto e Ilustração) Caminho (2005)
2 La guerre des mots. Dedieu/Marais – Editions Sarbacane (2012)
3 A Guerra.  Anaïs Vaugelade (Texto e Ilustração). Editora Ambar (2002) 
4 Warum?. Nicolai Popov. Neugebauer Verlag (1996)
5 L´ennemi. Davide Cali (Texto) Serge Bloch (Ilustração) Sarbacane (2007)
6 O principio. Paula Carballeira (Texto) Sonja Danowski (Ilustração). Kalandraka (2012).


sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Ilustração: da arquitetura ao livro infantil


No dia 14 de janeiro, às 15h, estarei no Museu do Carmo à conversa sobre ilustração com Susana André e Gabriela Sotto Mayor. 
Uma honra estar a moderar esta conversa. 
Estão desde já convidados. Apareçam.  


Entrada livre
Serviço Educativo do Museu Arqueológico do Carmo
Largo do Carmo
1200-092 Lisboa
21 347 86 29/ 21 346 04 73 / 93 255 96 36

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

DEU-ME O NOME LIBERDADE O AVÔ AGOSTINHO DA SILVA


DEU-ME O NOME
LIBERDADE
O AVÔ AGOSTINHO DA SILVA
Arquivo (2016)




Editado pelo Arquivo-Bens Culturais,  Deu-me O Nome LIBERDADE  o Avô Agostinho da Silva, com texto de Patrícia Martins e ilustrações de Tenório, é o livro que dá a conhecer aos mais novos a vida do citado pensador.
Através do seu olhar observador, o gato, personagem protagonista, logo bem evidente na capa, é o peculiar guia da narrativa que acompanha o percurso da vida e do pensamento do homem a quem se deseja prestar homenagem. O personagem, baptizado com o nome de Liberdade, duplo sentido claro, está, para o sinónimo da autonomia felina e obviamente, também humana, conceito que o pensador tanto prezava como essencial para a felicidade individual.
Em forma de rima, o texto elucida os leitores mais novos, sem deixar de enternecer adultos reflexivos sobre o posicionamento individual do Ser. Numa paleta de cores neutra de técnica mista, com soltas e livres perspetivas que distorcem o real, a ilustração condensa e alarga num só plano a mensagem, numa perfeita consonância entre ambas, na explanação de cada página. Congruência logo evidenciada na capa, ao nível intertextual.
Uma janela aberta ao pensamento e de incentivo para um maior conhecimento sobre o filósofo pensador, que reputava mais importante o Ser do que o Ter.


Elvira Cristina Silva

in: Newsletter Pró-Inclusão (Nov 2016) pág. 9


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Chez moi

  



“Chez moi”
Davide Cali (Texto)
Sébastien Mourrain (Ilustração)
Actes Sud júnior (2016)








Davide Cali, é um autor sobejamente conhecido. Publicado por diversas editoras em Portugal, tendo já participado no ano passado num Colóquio sobre Livro Infantil, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian.
Com o seu habitual humor peculiar e um forte sentido de observação sobre o mundo que nos rodeia, oferece-nos continuamente um sentido critico e reflexivo sobre as peculiares atitudes do ser humano sem desapego face aos sentimentos, oferecendo ao leitor um olhar com diferentes camadas diversificadas de leitura.
O livro de grande formato (25×32 cm), possibilita o olhar arejado e pormenorizado sobre as ilustrações coloridas de Sébastien Mouurrain, em muitos casos de página dupla, explorando a dimensão dos diversos ambientes da narrativa.
Chez moi” (traduzindo para português: Em casa) remete para o lugar onde nos encontramos connosco próprios, pode não ser a casa que habitamos como morada, mas aquele lugar onde nos sentimos serenos e confiantes. Na busca desse lugar, parte o personagem principal, um jovem rapaz que vive numa pequena aldeia onde praticamente nada acontece. De morada em morada, por opção própria ou em virtude do trabalho e da especificidade deste, muitos são os paradeiros do personagem.
Crendo, por vezes, que nesses paradeiros se encontra “em casa”, depressa se instala a necessidade da busca de um outro lugar, muitas vezes em contraste ao desejo inicial.
Ao longo do percurso da vida do personagem, retrato de muitos de nós, ao longo do desenvolvimento humano, na permanente necessidade de mudança e na procura da identidade, nem sempre o local onde habitamos nos agrada ou se ajusta convenientemente. Em muitos casos acontece, necessitamos dar a volta ao mundo, simplesmente, para voltar ao sitio de onde partimos.
Em alguns lugares de França sinto-me “Chez moi”,  foi, num desses locais especiais que me cruzei com este livro, curiosamente imprimido, imagine-se, em Portugal. O espelho da vida onde a circularidade das estórias se retrata.

Elvira Cristina Silva
in: Newsletter Pró-Inclusão nº 102; (outubro 2016). pág. 6 



sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Elvira & C estão de volta: amanhã na Ludobiblioteca da EB da Parede

Elvira & C estão de volta

Elvira & C.ª estão de volta com novas malas recheadas de estórias. 

Ilustração de Raquel Nas Nuvens

Amanhã voltamos com "Algibeirices" 


"Algibeirices"
Kal And Raka à solta pelos livros contam estórias puxadas de algibeiras, 
tão repletas são de mil e um artigos
que a todos vós parecem verdadeiros. Confusos? 
De todo, não se sintam perdidos com semelhante trio de perder as estribeiras.

Escola EB Parede, Rua Almeida Garrett,, Bairro Octaviano, Parede

domingo, 25 de setembro de 2016

Jutta Bauer está em Óbidos, no Festival Literário Internacional, a partilhar o que sabe.





A minha língua é a ilustração


Jutta Bauer diz que faz livros porque não sabe fazer outra coisa, mas nunca acreditou que poderia viver da ilustração. Enganou-se. Está em Óbidos, no Festival Literário Internacional, a partilhar o que sabe. em Hamburgo, é a mais nova de nove irmãos e passou a infância a desenhar. “Os meus pais e os meus professores disseram-me que era isso que eu devia fazer: desenhar. E foi o que fiz”, conta Jutta Bauer ao PÚBLICO na véspera de participar no Folio - Festival Literário Internacional de Óbidos, que decorre até 2 de Outubro. No entanto, a vencedora do Prémio Hans Christian Andersen 2010, o mais importante para quem se dedica à literatura para crianças, pensou estar destinada a ser enfermeira. “Durante dez anos, cuidei de pessoas com deficiência”, recorda. “Agora, já posso viver da ilustração, mas quando se começa nunca se acredita.”Jutta Bauer diz que não precisa de muitas palavras - “a minha língua é a ilustração”. Afirmação fácil de comprovar através dos seus livros A Rainha das Cores (que acaba de ser editado em Portugal pela Bichinho de Conto, houve uma edição em 2002 da Cobra Laranja) ou Quando a Mãe Grita(2006), Selma (2009) e O Anjo da Guarda do Meu Avô (2014) editados pela Gatafunho.
Quando cria as suas próprias histórias, não tem bem a certeza se lhe surgem primeiro as palavras ou as imagens. “Aparecem em simultâneo, mas preciso de poucas palavras.”
Quase sempre começa por construir um storyboard, a preto e branco, prática que lhe ficou do cinema de animação, e depois vai deixando a história crescer e pinta-a no computador. Às vezes, escreve uma frase e desenha mais tarde. “Outras vezes, faço um desenho e nem sei o que hei-de dizer…”, descreve divertida na livraria Buchholz em Lisboa, onde nos recebeu.
Estudou Design e Ilustração, define “ilustrar” como “falar através de imagens” e diz que lhe é muito mais fácil desenhar do que falar ou escrever.
A mãe era filha de agricultores - “sempre a vi como doméstica, a cuidar dos filhos” - e o pai era professor primário, “às vezes, oh, entrava pela minha sala de aula adentro, quando era preciso substituir a minha professora”. Mas corria tudo bem.
Quando era criança, tinha livros de todo o tipo. Recorda que não é de “uma família muito letrada, cheia de bons livros”. No entanto, havia bastante variedade: “Muita banda desenhada, livros comuns, triviais, alguns clássicos ilustrados. O meu pai trazia muito Rato Mickey [Walt Disney].”
Mas as suas preferências iam para O Ursinho Petzi (Rasmus Klump) e mais ainda para as histórias da família Mumin. “Fui e continuo a ser grande admiradora de Tove Jansson.” Diz encontrar um pouco de todas estas personagens nos livros que faz, “animais que se divertem, mas que correm sempre alguns riscos e encontram formas de se desenrascar”.

A melhor vida que se pode ter

Jutta Bauer recorda também como sempre gostou de ver catálogos: “De sapatos, fatos-de-banho, cadeiras”, enumera. “Adorava ver e pensar em todas as coisas que iria ter no futuro. Depois, nunca as comprei”, conclui com uma gargalhada. Admite que talvez fosse o design a chamá-la.
A ilustradora diz que gosta de ser alemã e que tem a melhor vida que se pode ter, “ninguém me diz o que fazer, consigo viver do meu trabalho, viajar, vir até Lisboa”. Tem um filho de 30 anos (“é político, num partido ecologista alemão”) e de quem espera que lhe dê rapidamente um neto, que certamente “vai ter muitos livros”.
Na história de A Rainha das Cores, é através do choro que a protagonista consegue devolver o colorido ao mundo. Perguntamos-lhe se acredita que temos de sofrer para então resolvermos os problemas. Resposta: “Não temos, mas se sofrermos e chorarmos, então temos mesmo de resolver os problemas. O choro pode ser o princípio para solucionarmos as coisas.” E fala da Alemanha: “Depois da guerra, nós não chorámos, a sociedade preferiu esconder, não olhar para o assunto. Por isso ‘o cinzento’ não se foi embora. E o que eu aprendi foi a olhar bem para as coisas, chorar muito e superá-las depois.”
Jutta Bauer estará neste domingo em Óbidos, à conversa com Pia Kramer, às 15h00, na Galeria Nova Ogiva.
in: Publico

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