Falar
sobre a literatura infantil é um tema vasto, por um lado
nada inóspito, pois existem imensas visões e pontos de vista, mas por
outro lado um visão redutora de que é exclusividade do público infantil.
Erro
crasso. A literatura infantil na sua dicotomia foi desde os tempos mais remotos,
contos que pertenciam ao mundo dos adultos mas que as crianças, sábias como
sempre, deles se apropriaram.
A
sociedade foi sofrendo mutações e hoje, sabemos que muitos adultos apreciam um
bom livro infantil, capaz nos levar a qualquer lado, com ele viajamos e olhamos
o mundo mesmo sem sair do lugar ou aguçando melhor a vontade de o descobrir.
Porque
existem sempre diferentes formas de ver e olhar o
mundo... olhar e ver são coisas que embora pertencendo ao sentido da visão e
possam coexistir, por vezes, manifestam-se numa relação de subalternidade de
uma em relação à outra. Porque, em muitos casos, o olhar passa como exercício
de sentido da vista, meramente sem a capacidade de ver no sentido de contemplar
o objeto livro e de por consequência ponderar sobre o seu valor, quer estético,
quer pedagógico.
Todos
sabemos que não é propriamente o texto literário e o material usado pelo
ilustrador que determinarão a qualidade do trabalho mas em muito poderão contribuir
para que alguns livros se tornem especiais promovendo momentos únicos e
irrepetíveis com os quais nos identificamos pelo conhecimento e experiência ou,
em alguns casos pela falta de ambos,
Ao
nível pedagógico perceber que ao agir e escolher, não tendo apenas uma visão
única destas obras (porque existirão sempre outras visões que habitam o mesmo
espaço), não se está a agir ao acaso.
Falar
de literatura infantil não é uma coisa de brincar, mas sim uma coisa séria, ou como
refere Manuel António Pina, no seu livro: O
inventão, (Editora: Asa) “As coisas
sérias que cómicas que são”.
Se
falar de literatura infantil é já uma ousadia, abordar a diferença neste
contexto é outra façanha. A diferença é algo maravilhoso que todos temos em
comum, o que por uma lado pode parecer um afunilado ponto de vista seletivo,
mas que ao invés, revela uma alargada possibilidade de escolhas. De diversidade está o mundo cheio e a
literatura infantil não seria exceção na arte de a contemplar. Audácia sim ,é
descobri-la de modo sublime.
Há,
de facto, quem veja o mundo em prosa, outros em poesia. Há mesmo quem não o
veja com palavras, falhando a nomeação das coisas, ou eventualmente a sua
compreensão.
Penetrar
no mundo da Literatura Infantil é ver o mundo para além da prosa, sim, porque
mesmo em prosa muitos dos textos são perfeita poesia. Noutros casos, há mesmo
quem não precise de texto, porque a imagem vale mais que muitas palavras. Compreender
o mundo passa muito mais que a compreensão comum, passa pelos afetos e pelos
sentidos e esses são cheios de truques para além da compreensão.
Procurar
a diferença na Literatura Infantil, ausente de paternalismos e de valores
morais recheados de clichés é obra de ourives, mas é possível, pois a Literatura
Infantil está recheada de preciosidades a descobrir. Claro que não se descobrem
por acaso, tal como em busca do ouro é preciso manusear alguns rochedos para se
descobrirem as pedras preciosas. Descobrem-se entrando num mundo de analogias e
metáforas que permitiu à génese humana crescer e defrontar o mundo, nas
mensagem do crescimento, da provação à passagem para a idade adulta. É
intrinsecamente o valor da diferença. Porque cada um de nós deles se
apropria...
Sendo cada um de nós todos diferentes torna-nos únicos e por isso mesmo
especiais. Esta rubrica pretende abordar uma seleção de livros descobrindo mais
sobre as diferenças que nos unem.
Descobrir, por exemplo, alguns poemas na obra Tantos meninos diferentes e todos
surpreendentes, de Maria Teresa Maia Gonzalez (2011; Editora Texto –
Lisboa- Portugal; com Ilustrações de Inês do Carmo)
Ou El cazo de
Lorenzo de Isabelle Carrier (2010- Editorial Juventud – Barcelona –
Espanha) Um menino diferente oculto por um tacho de
preconceitos.
Visitar "Um
livro para todos os dias", Isabel Martins com Ilustrações de Bernardo
Carvalho (2004) da editora Planeta Tangerina - a saber Editora premiada
como melhor editora europeia, na recente Feira do Livro Infantil de
Bolonha.
Neste livro refere-se que há dias para lembrar dias que
são uma confusão e entre muitas outras coisas há dias em que precisamos de
abraços. Elementar!? Pois deveria ser, mas nem sempre o é.
Deste modo, a literatura infantil constitui um permanente estímulo
de ingredientes inclusivos para todos e sobretudo aos adultos, muitas vezes
distraídos e arredados do mundo, que já não o concebem de forma tão poética.
Se
olharmos o livro "Quando a mãe grita",
Jutta Bauer (2006) – Editora Gatafunho,
descobrimos que qualquer um de nós, em reflexo de espelho com a personagem,
quando nos gritam, tudo se desmorona … e sentimo-nos à deriva, perdidos.
É
impossível não nos enternecer esta história de sentimentos e afetos, livro ao
qual não se ficará, por certo, indiferente. Por vezes esquecemos de como
falamos e agimos com o outro.
Experiência,
atenção e afecto. Espaço ideal para a
narrativa capazes de servir de modelo às nossas vidas.
E,
por hoje, ficamos por aqui, nesta minha tentativa arriscada de dizer que simbolicamente
a literatura infantil se aproxima mais do adulto do que se imagina.
Certa
de que encontrarão muitos outros ingredientes para incluírem em cada um dos
vossos dias.
Despeço-me
até um dia destes.
Elvira Cristina Silva
in:
Revista Educação Inclusiva Vol. 4 - nº 1- maio 2013
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