Remetendo para a ilustração narrativa conhecida dos leitores,
estes mundos da ilustração permitem na continuidade visual, bem próximo do
imaginário infantil, uma perfeita harmonia de entrega narrativa.
Pela minha experiência, são eficazmente acarinhados pelas
crianças. O impacto visual da ilustração contribui em muito para a escolha
inicial destes livros por parte daquelas. Depois segue-se o deslumbramento da
sequência narrativa.
“Uma sombra que desliza”
transporta-nos para a narração do ponto de vista de uma criança que através do
seu olhar nos invoca a personalidade de uma irmã.
Evoca, logo no título da tradução portuguesa, o que está
presente resvalando de um padrão...
A escolha do título nesta versão portuguesa, é quanto a mim um
opção sábia, recolhendo a informação dada pela criança que nos carateriza a
irmã. Os títulos de outras edições
(Castelhano, Galego, Catalão e Espanhol)
escolheram “Fala-me” remetendo
para a ânsia de uma relação verbal. A versão italiana “É, não é?” alude a um jogo
de literacia e de imagem, remetendo
sempre para a dualidade e contradições da personagem que se vai descobrindo na
narrativa.
Sem falar uma única vez na problemática ou diagnóstico (como se
porventura fosse necessário), o narrador remete-nos para uma particularidade na
diferença da sua irmã que não necessita de rótulo.
É esta a grande mestria destas narrativas. Sem subterfúgios, sem
lamechices aborda-se a diferença na sua
plenitude, na sua imprevisibilidade e verdadeira fragilidade, paralelamente
riqueza do ser humano
As ilustrações sempre arrebatadoras e reconhecíveis de Chiara
Carrer desde logo fascinam, sombras que deslizam e iluminam as personagens. Papel pintado, desenhos, colagens em diferentes
superfícies que remetem para diferentes texturas ampliando visualmente a
narrativa, nas dúvidas, surpresas, imprevisibilidade. Repleto de sentimentos
contraditórios, patenteia que a compreensão e a vivência com a diferença pode
não ser uma tarefa fácil, feita de contrariedades e inquietudes mas sempre
enriquecedora, apelando para a peculiaridade de cada indivíduo na sua
singularidade. Um livro que é pura
poesia de imagem e prosa no modo como permite ver o outro.
O texto de "Queres
namorar comigo" é poético na sua abordagem recheada de ternura. Num
contexto que apela para a inocência da linguagem da infância constitui uma
permanente surpresa na medida em que incorpora um certo toque de humor na
sua forma de abordar os afetos, quase ridículos (como dizia o poeta). Como se
alguma vez, todos o sabemos, o amor pudesse ser de outra forma que não
ridículo. Amores impensáveis num casamento pouco provável mas surpreendente
porque quando se ama, tudo é possível. As ilustrações são impossíveis de
descrever. São uma obra de arte em desfile para o leitor que se interessa
atento. Dizem mais que muitas palavras e ainda bem que assim é. Pormenores
subtis que requerem uma dupla leitura numa sobreposição de desenhos e colagens
de diferentes materiais. O formato diferenciado deste livro é desde logo
apelativo, porque na verdade exige não só um espaço de arejamento para as
fabulosas ilustrações, como também o tamanho de uma girafa apela
a esse formato, contudo não se iludam nesta questão de tamanhos. Às vezes uma
girafa é capaz de se tornar pequenina perante um caracol apaixonado e
decidido a revelar o seu afeto. Um livro objeto pelo seu formato e
beleza estética desde as guardas que nos remetem para um imaginário de infância
que antecipa um segredo muito importante. Simplesmente delicioso na sua
abordagem, na simplicidade e âmago das mensagens.
O livro “Anton” revela-nos uma criança que
estranha a diferença e que apela ao espaço de encontro. A personagem principal
revela-nos a sua visão do mundo. Este, por vezes difícil de entender em
palavras, mas onde os números se sentem e nessa língua nunca somos
estrangeiros.
...”só aprendemos bem se
estivermos juntos e só estamos juntos se esperarmos uns pelos outros.”
Uma obra filosoficamente poética, cheia de metáforas, para
refletir sobre o que está para lá das palavras.
"Não te parece misterioso usares as mesmas
letras para dizeres 'tu' e o princípio de 'tudo'?"
O autor, simultaneamente ilustrador oferece-nos imagens ténues e
muito simples mas de uma força gráfica bastante apelativa na expressividade do
traço e da textura da mancha gráfica, também ela metafórica na sua forma de
comunicar com o leitor entre o jogo de texto e lustração.
Um
livro para ti, aventura de texto e ilustração de Rita
Correia, apresenta-se como uma ode à nacionalidade, uma viagem pelo artesanato,
cultura e património onde reúne a multicultariedade e o espírito de partilha.
Partindo do conceito do bookcrossing, este livro propõe novas
abordagens e conceitos sobre o dar e receber e exige uma atenção constante aos
pormenores e às mensagens nele inseridas.
Um livro jogo, com gente dentro, gente que enaltece o papel do
SER em oposição do TER. Dentro deste livro existe ainda um outro para
construir. Um livro animado que se poderá desfrutar vezes sem conta.
A ilustração deleitosa, cheia de pormenores, oferece um
manancial de (re)descoberta incessante, a autora que se estreia neste livro
demonstra a sua autenticidade de profissão. É na ilustração que vem corroborar
que uma imagem pode valer mais que muitas palavras. Alargam o conceito da
profundidade das mensagens e convidam-nos a viajar nelas na circularidade da
obra.
A Casa Grande é um
manifesto de cidadania, remete-se para a Casa onde todos vivemos, o mundo que
habitamos com pessoas todas diferentes, mas a mesma língua, a universalidade dos
sentimentos, da partilha, da amizade, do respeito pela diferença e o uso do
tempo ou o que dele se faz. A ilustração num recurso a colagens, perseverante nas
cores fortes e contrastantes constitui-se como um elemento marcante na relevância
narrativa.
Para além da abordagem estética destes livros deliciosamente arrebatadores a abordagem do texto é transversal na temática do valor urgente da tolerância no encontro da diversidade, combatendo estereótipos, resolvendo conflitos, contribuindo para uma autonomia construída na experiência e nas decisões enquanto cidadão do mundo.
As ilustrações dizem mais que muitas palavras num manancial de
informação, provocam sorrisos, uma angústia no peito ou uma lágrima ao canto do
olho.
Elvira
Cristina Silva
-“Uma sombra
que desliza” de Marco Berrettoni Carrara e ilustrações de Chiara Carrer. Verpraler
(2010)
-“Anton” de
Simão Vieira. Trinta por uma linha (2009)
-“Queres
namorar comigo?” de João Ricardo e ilustrações de Ana Sofia Gonçalves. Dinalivro
(2013)
-“Para ti” de
Rita Correia (2012 – 1ª edição) edição de autor (os
interessados devem encomendá-lo em:
-“Casa
grande” de João Manuel Ribeiro e ilustrações de Ricardo Rodrigues. Trinta por
uma linha (2012 – 2ª edição)
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