Viagens à roda dos nomes
Desfrutar
de um livro é sempre uma viagem, desta vez, é literal pela peculiaridade das
autoras abordadas, ambas responsáveis pela narrativa em simultâneo com a
ilustração, de um modo muito singular. Ambas são cúmplices na realização autónoma
das suas criações. Ambas mencionam nomes como títulos nos livros abordados, exibindo
no seu interior uma mensagem de fruição estética, muito mais vasta do que se
poderia esperar, da contemplação do mundo que nos rodeia.
Ambas nos conduzem por uma viagem de descoberta e aventura. No primeiro caso,
estórias de viagens, no segundo uma permanente viagem. Em ambas as viagens de
cada um de nós, da nossa identidade e do nosso papel entre os demais.
Margarida
Botelho, com formação em Arquitetura, fazedora de histórias/ mediadora, como
ela própria se intitula, constrói as suas histórias em tridimensionalidade,
imagem criativa que lhe é peculiar, criações
plásticas em volume, construídas com materiais diversificados e reciclados, intervencionados
por técnicas fotográficas que culminam nas ilustrações finais desafiantes para
o leitor. A expressividade dos rostos das personagens tem como base fotografias
reais, assumindo assim, uma maior cumplicidade na proximidade com a narrativa.
Partindo
da sua experiência inicial do projeto “Encontros”, que teve como produto final o
objeto palpável de livro, pois muito existe para além do objeto livro, a autora/ilustradora,
reproduz os acontecimentos vividos nas suas viagens, onde os afetos são permeáveis
e quase sentidos na epiderme de quem os lê, contaminados que estão, de
fabulosas experiências reais.
Nos três livros da coleção POKA POKANI, o título de cada livro é o nome
de uma criança, mas que afinal são duas, num jogo paralelo e simultâneo de
vidas que estão apenas separadas geograficamente. As personagens que surgem de
duas capas distintas, como se de dois livros se tratasse, seguem o seu percurso
individual, cruzando-se como num jogo de encontro, nas páginas físicas centrais dos livros onde se
desvenda um tabuleiro de um jogo semelhante ao jogo da glória.
“Eva/Eva “(2011)
Resulta
da estadia em Moçambique durante nove meses, num campo de refugiados que
constituiu o ponto de partida inicial do projeto, com o apoio da Unesco.
Apresenta a dualidade de culturas
(Europeia/Africana) no seu quotidiano de constantes contrastes
e permanente adaptação, consoante as diferentes geografias.
“Yara/Iara” (2012) é o segundo livro
da coleção, desta vez com mais um elemento na equipa, Mário Rainha Campos.
Resulta da viagem de ambos a Kararaô, aldeia indígena da etnia kayapó na bacia
do rio Xingu na Amazónia, no estado brasileiro do Pará, local ameaçado pela
construção da central hidroelétrica. Na continuidade do projeto, este livro,
documenta duas culturas (Europeia e Brasileira) e tal como o anterior remete
para uma viagem em lados opostos do livro para o encontro final.
“LIA/LYA” (2014) é o terceiro livro da coleção, neste caso reflexo da
viagem até Atecru, aldeia piscatória isolada, situada na costa norte da ilha de
Ataúro, em Timor-Leste. Em coerência com os anteriores livros o paralelismo de
culturas num jogo final de encontro.
As 3/6 protagonistas destes livros são crianças que partilham de algumas
atividades comuns, brincam, vão à escola, têm uma família, em síntese, retratam um quotidiano de culturas
com vivências antagónicas criadas pelos diferentes contextos.
Aborda-se a questão das diferenças socioculturais,
nomeadamente entre o mundo ocidental e o protagonizado por cada uma das
personagens documentadas nos três livros, através de experiências infantis, em
muitos casos comuns, apresentadas em analogia. Histórias contadas em separado, ou
em paralelo, que desembocam e se cruzam uma na outra, celebrando a riqueza da diversidade,
a importância do outro, a identidade, a partilha, as diferentes linguagens que
singularizam e polarizam a diferença, na compreensão de outros ritos, costumes
e culturas.
A ilustração de páginas duplas traçam diferentes
trajetos únicos, sequências de momentos da vida de cada uma das protagonistas, permitindo aos leitores quase um relato cinéfilo das
narrativas acarinhadas com pessoais reais. Notória homenagem às
comunidades rurais, na linguagem dos afetos fiel à leitura do mundo real.
Livros preciosos, construídos de palavras e imagens, materializadas nas
vivências antagónicas em diferentes contextos de um mundo real, ainda
desconhecido, para a grande maioria das pessoas. Cada personagem é um de nós,
que se descobre em semelhanças e assimetrias e tem um mundo novo para
descobrir.
A
aquisição destes livros podem ser feitos em www.prodidactico.pt/ ou em
www.margaridabotelho.com/pt/
"O meu nome é" ...
...aquele livro que nos enche do
nome que é feito!
Depois de “Um livro para Ti” (livro abordado no artigo da revista anterior), Rita
Correia, continua a surpreender o leitor com mais um livro jogo, ou direi mesmo,
um livro surpresa. Em forma de adivinha, conduz-nos à descoberta de um nome inspirado
num poema de um poeta brasileiro. Indícios que estão nas palavras (em rimas) e
nas ilustrações (colagens, desenho e pintura) que remetem simultaneamente para o provável nome de alguém,
mas também presente na natureza que nos
rodeia e no quotidiano de alguns dos nossos dias. As letras do nome procurado estão
escondidas
sequencialmente em nove páginas duplas, onde se evidenciam a linguagem dos
afectos, a relação com a família, o respeito pelos animais a par, evidentemente,
da expectativa do nome que se busca.
Este livro, possui, tal
como o anterior, atividades e jogos, permitindo por exemplo construir um pop-up, seguir um mapa do tesouro, construir um puzzle
gigante, contendo ainda cromos disponíveis no blogue, onde também é possível encontrar canções criadas
para o efeito. Uma chamada de atenção para as guardas finais, onde mais uma vez
existe um pequeno jogo, remetendo para a importância da identidade.
De referir também, o pormenor da capa revelando o nome procurado, mas
que só um olhar atento o descobre a brilhar na luz! Uma palavra bem
visível para os que não estão distraídos, aparentemente escondida de modo a
permitir-se a descoberta de um jogo. Um detalhe! Pormenor que nos transporta
para o nome de que é feito este livro, e
que em simultâneo nos enche daquilo de que é feito. Entre outras palavras,
viajamos pelas palavras dos afectos e sobretudo no acreditar, palavra comum em
ambas as autoras mencionadas neste artigo, que concebem os seus projetos com o
nome deste livro. O nome procurado está
lá, mas tem que ser visto com “olhos de ver” , nas entrelinhas, e é esse o
deslumbramento, viajar nas pistas dadas ao longo do livro, numa poesia
exacerbada na ilustração que completa o formulado num caminho aberto de
interpretações aos sentidos dos leitores. É neste espaço de jogo permanente e imaginação
que somos conduzidos num fio condutor narrativo desde a capa à solução final,
na circularidade, uniforme e coerente, na relação texto e ilustração, que contamina
o prazer da descoberta e da leitura, perdurando o jogo estético e narrativo.
São livros que
revelam um outro olhar sobre o quotidiano, sobre a diferença e a vida das
pessoas, convocando, assim, todo o potencial imaginativo do leitor, surpreendendo
e provocando, através de um jogo permanente, para a contemplação do mundo que
nos rodeia, onde as ilustrações são um manancial de reforço à narrativa e
fruição estética.
Elvira Cristina Silva
Fotos de EC Silva |
O Meu
Nome É…
Texto e ilustração de Rita Correia
Edição de autor
(os interessados devem encomendá-lo em: ritapcorreia@gmail.com )
Artigo publicado in: Revista Educação inclusiva Vol.5 nº 2 - dezembro 2014
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