Grande Livro dos Medos do Pequeno Rato
Emily
Graveytt
Livros
Horizonte (2010)
A
ideia central deste livro é espiar os medos do pequeno personagem, obviamente
numa identificação análoga à do “pequeno” leitor, os medos são evidenciados através
dos seus termos científicos, a par de elementos visuais com sentido de humor
que parodiam a carga de drama insolúvel que se manifesta em todos os animais.
Num
primeiro momento, imagina-se que a autora fez o registo de cada fobia no
cabeçalho de cada página, convidando deste modo o leitor a preencher o espaço
em branco, de acordo com a sua vontade e necessidade própria.
No
entanto, deparamo-nos com um livro já usado e preenchido por um anterior
leitor: um rato. Este, que desde o início se apresenta na capa, rasurando o
nome da autora e colocando o seu, roendo um buraco no livro.
É
através desse buraco que o avistamos, na companhia do lápis que permanecerá com
ele ao longo de todo a narrativa, pois é com esse utensílio que irá enumerar os
seus medos e de certa forma, espera-se, que os supere, como é referido na
página de abertura. Lida-se com os medos através do rabiscar, o protagonista dá
o mote com o lápis que sempre o acompanha. Lápis espiador dos medos, à semelhança
do cobertor do Linus (personagem dos “Peanuts”). A mediação deste livro,
permite, deste modo, abordar os medos, alargando a opções lúdicas.
Diversas
técnicas e materiais, como desenhos a carvão, colagens de jornais, postais,
mapas, fotografias, pensos rápidos e outros elementos relacionados com quedas,
azares e infortúnios diversificados, ilustram os medos do personagem, quiçá, a
par, também dos receios do leitor.
No
final da narrativa o confronto entre o rato e a autora, conflito este que
provoca a reflexão sobre o relativo e a subjetividade perante os receios
individuais. Nesta ténue conjugação dos
elementos visuais que implica uma observação atenta e dedicada, encontra-se o
fascínio deste livro. Todo ele numa delicada coerência, desde a qualidade do
papel (textura), capa (dimensão e formato, com a particularidade de existir um
buraco de onde se avista o rato protagonista da ação), até à dimensão da narrativa.
A
capa, antevendo, o conteúdo, manifesta-se original, no impacto visual que
oferece. Revela-nos uma janela para a descoberta, dando já uma piscadela de
olho aos medos, revelados posteriormente. Assim como o adequado aproveitamento
das guardas, na introdução ao tema (pensos rápidos, escadas, animais ferozes,
facas afiadas...) anunciam, habilmente, uma narrativa terrífica.
Um
ponto forte, deste livro, é sem dúvida, a relação assumida de complementaridade
entre texto e imagem, onde ambos os elementos coabitam no mesmo espaço e se
complementam. A narrativa é feita em diversas camadas, compreendida através da
ilustração, de elementos textuais e paratextuais.
O
tipo de letra, assumido como sendo feito à mão, convive com letra de imprensa
de recortes, mas toda essa mistura é composta de forma cuidada, não deixando o
leitor confuso.
O
pictórico das ilustrações e a legibilidade das mesmas, harmoniosamente colocadas
com o escasso texto, remetem para uma facilidade na leitura, quer
pela
sua disposição organizada na página, quer pelo imaginário e humor que proporcionam.
Um
livro que se apresenta muito coerente no ritmo e na cadência que surpreendem em
cada página, na cuidada ilustração e a previsibilidade do final que amainará
todos os receios enumerados.
Numa
conjugação perfeita de simplicidade, sendo esta a experiência subjetiva e julgamento
de um observador, o leitor é convidado, através de todo o aspeto gráfico, a
estabelecer empatia com o enredo (temática) e a identificar-se com a riqueza
simbólica da informação, possibilitando aceder a novas experiências de
informação.
A autora,
cativa o seu público alvo e encanta os leitores adultos, na medida em que são perceptíveis
informações paralelas, sendo neste sentido que se insere a complexa simplicidade
deste livro e a capacidade para estimular a imaginação.
Versando os
medos, este livro, ecoa em todas as idades (para além da faixa etária
recomendada pelo PNL), pelo facto de possibilitar não só os diferentes “modos
de olhar e de ver” bem como pela transversalidade temática cultural e histórica
de cada individuo. Livro que, muito provavelmente, se ficará com algum receio
de o perder!
Elvira Cristina Silva
in: Newsletter da Pin- Pró-Inclusão (março 2017) pág. 11
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