Os livros para
crianças pequenas requerem alguns cuidados. O formato deverá ajustar-se à
medida da mão do destinatário, no que respeita à durabilidade deverá ser
resistente a dentadas e salivas, nesse sentido devem ser cartonados e por
questão de segurança deve ser tido em conta os cantos arredondados. Poderão mesmo
ser de pano, agradáveis ao toque e permitirem o aconchego, acrescido de que são
resistentes às quedas de quem antecipa autonomias.
Existem livros para
todos os gostos, dir-se-ia até, para todos os tamanhos, mas tal como as
pessoas, os livros não se medem aos palmos. Embora se pudesse pensar que sim...
Pensar que um livro
para gente pequena “basta“ cumprir os requisitos anteriormente mencionados,
desengane-se. Existe oferta diversificada que se ajusta aos requisitos, mas a escolha
tem que ser criteriosa, ponderando que o livro deve acompanhar o crescimento da
criança. Isto é, tem que ser um livro que seja GRANDE, logo ao primeiro contacto...
que no seu conteúdo possua a dimensão de proporcionar diálogos com o imaginário
da criança, que a alimente na aquisição e desenvolvimento da linguagem,
possibilitando a interação com o mundo, contribuindo para o desenvolvimento
cognitivo. É neste sentido, que um livro acompanhará o desenvolvimento da
criança, fazendo diferentes leituras, em cada fase do seu desenvolvimento. A
transversalidade de um livro residirá numa reconquista permanente e para além
de caber em mãos pequenas é indispensável que acaricie as mãos de gente adulta com
coração onde habite sentimentos, interações e afetos. Se assim for, gente
crescida saberá facilmente acolher os livros GRANDES com que se cruza e por
consequência partilhá-los com mãos pequenas. Correrá o risco, eventualmente, de
se render perante a esplendidez de alguns desses livros, mas claro, isso será o
efeito colateral da escolha de um GRANDE livro para mãos pequenas.
Tener
um patito es útil”
Textos e ilustrações de Isol
Editora Fondo de Cultura Económica
(2007)
Escrito e ilustrado pela argentina
Marisol Misenta, que assina como Isol, é um “pequeno” livro de páginas
cartonadas, bem resistentes, com cantos arredondados e de formato reduzido (15
cm por 16 cm).
Revela-nos o ponto de vista de uma
criança que enumera as vantagens de ter um pequeno pato amarelo, que as
crianças identificarão com os patos de borracha utilizados no banho. Um pequeno
texto na página esquerda, com ilustração na página direita que exemplifica de
modo peculiar a frase escrita, deste modo ilustrando a narrativa, alargando-a
de modo divertido. O pato serve, entre vários exemplos para enfeite de chapéu
ou de apito. “Ter um patinho é útil” seria o título em português para esta
narrativa simples e bem humorada que no seu final nos deslumbra com uma outra
narrativa, desta vez, o ponto de vista
do pato, com as inúmeras utilidades que um menino pode ter. O livro em forma de
harmónio em dupla narrativa, constitui-se como um livro objeto pelo sua forma
de manuseamento, possuindo uma caixa também cartonada para arrumação. Bastante
atraente para crianças pequenas agradando ao adulto atento, o que não é de
estranhar conhecendo-se a obra de Isol. A autora retrata o mundo com a
perspicácia do ponto de vista das crianças, caricaturando em muitos casos o
absurdo do mundo dos adultos, adicionando sempre no texto e ilustrações o humor
sublime. As suas ilustrações de um modo geral são genuinamente identificáveis do
seu traço, mostram-se frequentemente deslumbrantes e geniais paralelamente à sua
simplicidade. Isol tem cerca de duas dezenas de livros editados em vários países, infelizmente sem nenhum título publicado em Portugal. Isol
recebeu em 2013, o prémio sueco Astrid Lindgren pelo conjunto da sua obra.
Um bicho estranho
Texto de Mon Daporta
Ilustração de Óscar Villán
Kalandraka (2010)
Livro cartonado de 14 páginas,
formato 17,5 cm por 22 cm, que na sua capa desvenda a inteligente circularidade
da narrativa, esta em forma de rima onde o jogo e o ritmo desafiam o leitor. O
posicionamento do texto, na utilização manual que o livro possibilita, compõem
o jogo permanente que acompanha a adivinha que se deseja descobrir. Um estímulo
visual e narrativo numa permanente descoberta lúdica que enternece crianças e
adultos pela sua simplicidade poética. A narrativa na sua divertida possível circularidade
é impossível ser mais revelada, pois necessita ser vivida na busca da individualidade e do outro.
Artur
Oli (Xosé Manuel González)
Ilustração de Marc Taeger
Kalandraka (2011)
Livro cartonado, formato 19cm por 19cm, com
vinte e seis páginas de cantos arredondados. Aborda, enumerando de modo
crescente, a questão do nascimento, a
fragilidade dos medos e inseguranças perante o desconhecido. A importância do
colo e o instinto de proteção que a ilustração um pouco minimalista sobre fundo
branco com traços largos, coloridos e bem expressivos nos transporta para o
útero de onde nasce o protagonista, até ao aconchego do calor maternal que é
afinal a zona de conforto pela qual ansiamos sempre.
Quem é esse bicho?
Carmem Queralt (Texto e ilustração)
Kalandraka (2014)
Um livro cartonado, formato 17cm por 22 cm, com vinte seis páginas de cantos arredondados para pré leitores, com o texto cuidado, em letra maiúscula para leitores iniciais, revelando o universo variadíssimo de criaturas que bem observadas são tão diversificadas quanto o imaginário dos leitores a que se destina. Atentos à especificidade característica de cada criatura, ao leitor está a surpresa reservada como sendo personagem principal da narrativa, logo questionada no título deste livro. Um livro divertido sobre a diversidade, excepcionalmente criativo no seu aspecto visual com texturas de colagens e sobre posição de traços coloridos da ilustradora espanhola que é responsável também pelo breve texto que acompanha a narrativa.
Será... um gato ?
Guido Van Genechten (texto e ilustração)
Gatafunho – Rodopio de letras (2015)
Livro com alguma
resistência, plastificado, em modo de harmónio, que acresce um personagem a
cada aba que se abre, fomentando o espanto a cada
mudança de página e ao desenrolar cumulativo da
narrativa. Num total de cinco abas, com cinco imagens de animais diferentes e
sem texto, constitui-se por isso mesmo, um livro de inúmeras leituras e
infinitas descobertas.
Com mais três títulos
no mesmo formato: Será ... uma rã?; Será...
um caracol? ; Será ... um rato?. Possibilitam narrativas
diversificadas e diferenciadas acerca dos animais, alguns do universo familiar
das crianças, outros menos conhecidos, permitindo através de um visual de colorido tropical um manancial
de vocabulário infinito.
Mamã?
Texto e ilustrações:
Chris Haughton
Orfeu Negro (2016)
Mãe há só uma, claro,
a nossa. Tal como cada um o sabe, também o pequeno mocho com que travamos
conhecimento logo na capa. O título na interrogativa revela-nos uma demanda, a
do mocho que ao adormecer caiu do ninho e parte numa busca atribulada da
progenitora. Livro cartonado de dimensão 15,9 cm por 15,8 cm, com páginas e
jogos de imagens a meia página, transporta-nos para o sentimento de perda e a
inquieta demanda em busca da tranquila segurança do lugar de abrigo.
Escrito e ilustrado pelo irlandês Chris Haughton é
um livro delicioso na sua narrativa ternurenta. O personagem principal espelha
a inocência da infância para quem o livro se destina, contudo adultos
sensíveis, facilmente mergulharão num desfile de ternura a par do humor, na
redescoberta permanente e circular que a obra permite no seu aparente final feliz.
Porque os bons livros para mãos pequenas são um
permanente olhar literário sobre o que nos rodeia, no final do livro há uma
piscadela de olho à frase de Daniel Defoe, na obra Robinson Crusoé: “Assim, nunca vemos o verdadeiro estado da
nossa condição até que os seus contrários o revelem; nem sabemos dar valor a
tudo o que apreciamos senão na sua ausência”. Livro que obteve o prémio
Andersen 2013.
Elvira Cristina Silva
in: rubrica Instantes Inclusivos da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão -
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial) Vol. 7 - Nº 2 (dezembro 2016) (pág. 41 - 44)
Capa de Raquel Reis
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