terça-feira, 15 de agosto de 2017

Quando a temática é Sexualidade...


No âmbito de um dossier temático sobre Sexualidade solicitaram a minha colaboração para a revista Educação Inclusiva. A variedade de livros é imensa, a escolha por vezes é complexa. Assumo as minhas escolhas, considerando-as no meu ponto de vista,  eventualmente como sendo alguns dos livros mais significativos e relevantes na temática a abordar.



A Mamã pôs um ovo
Babette Cole
Terramar (1997)

“Mummy Laid an Egg” originalmente escrito e ilustrado pela autora em 1993 (publicado em Londres), este livro teve a sua apresentação em Portugal em 1997, tendo depois reedições sucessivas na mesma editora. Com esta já extinta, teve nova reedição em 2011 por uma nova editora.
Constitui-se como um clássico contemporâneo bastante conhecido, abordando de forma simples e humorada a explicação de como se fazem os bebés.
As ilustrações peculiares da autora, contêm bastantes pormenores numa paleta bastante diversificada de cores que ilustram de modo singular o sintetizado texto.
Poderia eventualmente pensar-se que é o modo dos pais explicarem aos filhos, mas é o inverso que provoca no leitor uma gargalhada certeira.

How A Baby Is Made, escrito e desenhado pelo escritor, professor e psicoterapeuta dinamarquês Per Holm Knudsen, é publicado em Londres 1975, numa edição de Franklin Watts.
Traduzido em várias línguas, nunca foi publicado em Portugal. Curiosamente é conhecido e partilhado entre nós na internet através da publicação alemã: “Wie Vater und Mutter ein Kind Bekommen”, realizada em março de 2008 pelo editor: Quelle & Meyer. 
Envolto em alguma polémica entre os que aplaudem e os que desaprovam as ilustrações explicitas e detalhadas, estas bastante realistas, oferecem visualmente todo processo de concepção, desde o ato sexual até o nascimento.





How Babies Are Made
Um livro escrito por Steven Schepp e Andrew Andry publicado originalmente pela Time-Life Books, New York (1968) e Ilustrado por Blake Hampton contando com novas reedições.
Este livro destaca-se pelas ilustrações de colagens nas páginas direitas do livro acompanhando o texto mais científico que se apresenta na página esquerda.
Com clareza e precisão, aborda os processos reprodutivos do reino vegetal e animal precedendo a sexualidade humana e os seu processo reprodutivo, acompanhado de uma ilustração inventiva e apelativa de entalhes e colagens.

 

How Did I Begin? 

de Mick Manning
ilustrado por Brita Granstron
Editado por Franklin Watts em 1997

Partindo de que somos o fruto do carinho especial entre a mãe e o pai, este livro conduz o leitor através de cada fase de desenvolvimento de uma criança, dentro do útero ao longo de nove meses. Com ilustrações simples e realistas  proporciona perguntas e oferece respostas. Livro que foi indicado para o prémio de livro de Junior Science Book Award, (atualmente Science Prize da Royal Society).


Para onde foi o Zezinho?...
Nicholas Allan (Texto e ilustração)
Gailivro (2004)

Originalmente escrito em inglês, acresce na tradução para português, como se pode ler na capa, um subtítulo: A grande história de um pequeno espermatozóide.
Com esta pequena frase e a ilustração inteligentemente divertida facilmente nos remete para a temática em questão. Partindo da identidade do personagem principal e da sua morada, que partilha com mais de 300 milhões de companheiros, no corpo do senhor Silva, toda a narrativa tem como foco o dia da Grande Competição de Natação, para a qual o personagem pratica todos os dias. Com informações simples, envoltas em ilustrações recheadas de humor e perspicazes para os olhares atentos, remete-nos para a questão da fecundação através de uma narrativa acessível e bem estruturada, não deixando de surpreender até ao final na sua circularidade e sentido apurado de inclusão sobre a identidade de cada um.

O Mistério do Urso
Wolf Erlbruch (Texto e ilustração)
A cobra laranja (2002)

O consagrado Wolf Erlbruch é exímio nas narrativas que escreve e ilustra. Sabiamente aborda as questões que nos envolvem na humanidade, na maioria dos casos usando metáforas. Este é um bom exemplo. Não explicitando diretamente a questão da sexualidade, remete-nos para o mistério da paternidade, o desejo dos afetos e de modo gradual aproxima-nos do foco da narrativa questionando e desconstruindo mitos. As ilustrações alternam entre as grandes dimensões de página dupla a pequenos pormenores que  recriam e reforçam o humor de ambientes e propostas para o percurso vivido pelo personagem. Originalmente publicado em 1992, merecidamente foi premiado com o "Prémio alemão da literatura juvenil" em 1993. Em 2002 é publicado em Portugal, pela editora já extinta A cobra laranja, não tendo sido reeditado.

A vida começa assim
Orientação de Manuela Lazzara Pittoni e Ana (Ilustrações)
Queluz: Editorial Globo (s/d)

Integrado numa coleção com o mesmo nome e editado por uma editora já extinta, este livro, surge por vezes, em alfarrabistas.
As páginas iniciais constituem-se como modo introdutório de abordar a reprodução da vida vegetal e animal, para de seguida versar o momento do nascimento humano e consequentemente a sexualidade. Uma viagem ilustrada, de composição realista muito pormenorizada, a par de um texto mais comedido e envolto em encantamento.


O livro do corpo
Claire Rayner (Texto)
Tony King (Ilustração)
Edições 70 (1986)

Originalmente publicado em inglês (1978) é inserido na edição portuguesa numa coleção intitulada “à descoberta da realidade”. 
Este livro faz uma abordagem simples sobre a complexidade e funcionamento do corpo humano. A autora, jornalista especializada em assuntos médicos, explica de modo objetivo e claro, sem  evitar as questões incómodas, pensado para leitura a par entre pais e filhos. Contem um capítulo intitulado “Crescimento, Mudança e Formação de novos seres” onde de forma bastante explícita, quer a nível do texto, como da ilustração, se aborda o ato sexual e o processo de gestação até ao momento do parto. 
Ilustrações planas, quase em forma de pequenas tiras informativas, a par do texto, acompanham descritivamente os assuntos abordados.

Adicionar legenda
Na barriga da minha mãe
Jo Witek (texto)
Christine Roussey(Ilustração)
Editorial Presença (2016)

Originalmente publicado em francês, em 2011, felizmente, recentemente publicado em Portugal, este livro centra o foco na personagem de uma criança que aguarda o nascimento da irmã, através do diálogo com esta na barriga da sua mãe.
Barriga que cresce em cada mudança de página, permitindo-nos com alguma seriedade e humor acompanhar o desenvolvimento intra uterino através de ilustrações escondidas sobre abas. As ilustrações de linhas simples e apontamentos de cor, reforçam um texto envolto em poesia e afetos num binómio que acresce o encanto da ansiosa espera e o espanto do primeiro encontro.


Apaixonados

Rébecca Dautremer (texto e ilustração)

Editora Educação Nacional (2007)

Ernesto, o personagem principal está apaixonado mas não sabe muito bem declarar o seu amor. As opiniões dos diversos personagens sobre a temática, são tão diversas quanto metafóricas, mas é precisamente na metáfora e no mistério que este livro de grande dimensão, (infelizmente, com algumas gralhas de tradução para a edição portuguesa), proporciona uma viagem aos segredos do amor. Apaixonados é uma galeria de arte que a ilustradora nos oferece através das soberbas ilustrações de dupla página.
                                                 
O que é o amor?
Davide Cali (Texto)
Anna Laure Cantone (ilustrações)
Gato na Lua (2011)

Na senda das questões à volta do amor não se pode descurar este álbum ilustrado com texto de Davide Cali e Anna Laura Cantone, ambos já bem conhecidos em Portugal. 
Tal como o título nos sugere, a questão é feita por quem busca uma resposta convincente.
A busca é feita por uma criança curiosa, a Emma, que percorre toda a narrativa, interrogando todos os elementos da família em busca das respostas para o amor e o estar apaixonado. Embora com a tradução para português, se perca alguma da poética e do ritmo do texto original, as diversas respostas concisas e humoradas, remetem-nos também para a metáfora, embora, na voz dos personagens se relacionem analogamente com as suas atividades preferidas e interesses, tornando-se ainda mais hilariante a compreensão que Emma faz das respostas, tentando objetivamente pô-las em prática.A ilustração apresenta pequenos detalhes de décor retro num ambiente doméstico com imensos pormenores, alguma proximidade ao cartoon onde existe um variada paleta de cores e elementos de diferentes texturas como colagens e tecidos que acasalam perfeitamente com o texto, fazendo deste livro uma obra filosófica sobre o tema, de modo hilariante e intensa, indispensável para que sejam os leitores a refletir sobre a pergunta original.

O Bebé
Fran Manushkin (texto)
Ronald Himler (ilustrações)
Sá da Costa Editora

Este é o primeiro livro ilustrado da escritora Fran Manushkin, publicado pela primeira vez em 1972 pela Harper & Row, tendo sido considerado, à época, pelo School Library Journal como o pior livro ilustrado do ano. Talvez por essa razão, em 2001, a edição em inglês de Baby, Come Out!  tenha sido colorida.
No entanto, várias reedições optaram pela edição original, com imagens a preto e branco, o que foi o caso da primeira edição em Portugal pela editora Sá da Costa. A segunda edição (2008) remete para a versão colorida.Um clássico da literatura para a infância que aborda o desenvolvimento pré natal de modo muito inventivo, onde a identidade e os afetos se misturam. Um olhar à identidade e personalidade única, com direto a vontade própria.  

A Joaninha quer ter um bebé
e  
Será que a Joaninha tem uma pilinha?” 
Da dupla  Thierry Lenain (texto) e Delphine Durand (ilustrações)
os dois livros editados pela Dinalivro (2004)
Abordam os temas de curiosidade das crianças, desconstruindo estereótipos de gêneros, de modo divertido e com alguma intenção didática. O mundo divide-se entre meninas e meninos e as descobertas que ambos os sexos fazem do amor e a amizade entre ambos.







Elvira Cristina Silva



in:  Recensões do Dossier Temático - Sexualidade e as pessoas com deficiência da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial   Vol. 7 - Nº 2 (dezembro 2016) (pág. XX - XXIV)

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Instantes Inclusivos...Livros "grandes" para mãos pequenas

Os livros para crianças pequenas requerem alguns cuidados. O formato deverá ajustar-se à medida da mão do destinatário, no que respeita à durabilidade deverá ser resistente a dentadas e salivas, nesse sentido devem ser cartonados e por questão de segurança deve ser tido em conta os cantos arredondados. Poderão mesmo ser de pano, agradáveis ao toque e permitirem o aconchego, acrescido de que são resistentes às quedas de quem antecipa autonomias.
Existem livros para todos os gostos, dir-se-ia até, para todos os tamanhos, mas tal como as pessoas, os livros não se medem aos palmos. Embora se pudesse pensar que sim...
Pensar que um livro para gente pequena “basta“ cumprir os requisitos anteriormente mencionados, desengane-se. Existe oferta diversificada que se ajusta aos requisitos, mas a escolha tem que ser criteriosa, ponderando que o livro deve acompanhar o crescimento da criança. Isto é, tem que ser um livro que seja GRANDE, logo ao primeiro contacto... que no seu conteúdo possua a dimensão de proporcionar diálogos com o imaginário da criança, que a alimente na aquisição e desenvolvimento da linguagem, possibilitando a interação com o mundo, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo. É neste sentido, que um livro acompanhará o desenvolvimento da criança, fazendo diferentes leituras, em cada fase do seu desenvolvimento. A transversalidade de um livro residirá numa reconquista permanente e para além de caber em mãos pequenas é indispensável que acaricie as mãos de gente adulta com coração onde habite sentimentos, interações e afetos. Se assim for, gente crescida saberá facilmente acolher os livros GRANDES com que se cruza e por consequência partilhá-los com mãos pequenas. Correrá o risco, eventualmente, de se render perante a esplendidez de alguns desses livros, mas claro, isso será o efeito colateral da escolha de um GRANDE livro para mãos pequenas.

Tener um patito es útil”

Textos e ilustrações de Isol
Editora Fondo de Cultura Económica (2007)

Escrito e ilustrado pela argentina Marisol Misenta, que assina como Isol, é um “pequeno” livro de páginas cartonadas, bem resistentes, com cantos arredondados e de formato reduzido (15 cm por 16 cm).
Revela-nos o ponto de vista de uma criança que enumera as vantagens de ter um pequeno pato amarelo, que as crianças identificarão com os patos de borracha utilizados no banho. Um pequeno texto na página esquerda, com ilustração na página direita que exemplifica de modo peculiar a frase escrita, deste modo ilustrando a narrativa, alargando-a de modo divertido. O pato serve, entre vários exemplos para enfeite de chapéu ou de apito. “Ter um patinho é útil” seria o título em português para esta narrativa simples e bem humorada que no seu final nos deslumbra com uma outra narrativa, desta vez,  o ponto de vista do pato, com as inúmeras utilidades que um menino pode ter. O livro em forma de harmónio em dupla narrativa, constitui-se como um livro objeto pelo sua forma de manuseamento, possuindo uma caixa também cartonada para arrumação. Bastante atraente para crianças pequenas agradando ao adulto atento, o que não é de estranhar conhecendo-se a obra de Isol. A autora retrata o mundo com a perspicácia do ponto de vista das crianças, caricaturando em muitos casos o absurdo do mundo dos adultos, adicionando sempre no texto e ilustrações o humor sublime. As suas ilustrações de um modo geral são genuinamente identificáveis do seu traço, mostram-se frequentemente deslumbrantes e geniais paralelamente à sua simplicidade. Isol tem cerca de duas dezenas de livros editados em vários países, infelizmente sem nenhum título publicado em Portugal. Isol recebeu em 2013, o prémio sueco Astrid Lindgren pelo conjunto da sua obra.
  
Um bicho estranho
Texto de Mon Daporta
Ilustração de Óscar Villán
Kalandraka (2010)

Livro cartonado de 14 páginas, formato 17,5 cm por 22 cm, que na sua capa desvenda a inteligente circularidade da narrativa, esta em forma de rima onde o jogo e o ritmo desafiam o leitor. O posicionamento do texto, na utilização manual que o livro possibilita, compõem o jogo permanente que acompanha a adivinha que se deseja descobrir. Um estímulo visual e narrativo numa permanente descoberta lúdica que enternece crianças e adultos pela sua simplicidade poética. A narrativa na sua divertida possível circularidade é impossível ser mais revelada, pois necessita ser vivida na busca da individualidade e do outro.

Artur

Oli (Xosé Manuel González)

Ilustração de Marc Taeger

Kalandraka (2011)

 

Livro cartonado, formato 19cm por 19cm, com vinte e seis páginas de cantos arredondados. Aborda, enumerando de modo crescente, a  questão do nascimento, a fragilidade dos medos e inseguranças perante o desconhecido. A importância do colo e o instinto de proteção que a ilustração um pouco minimalista sobre fundo branco com traços largos, coloridos e bem expressivos nos transporta para o útero de onde nasce o protagonista, até ao aconchego do calor maternal que é afinal a zona de conforto pela qual ansiamos sempre.


 

Quem é esse bicho?

Carmem Queralt (Texto e ilustração)

Kalandraka (2014)

 

Um livro cartonado, formato 17cm por 22 cm, com vinte seis páginas de cantos arredondados para pré leitores, com o texto cuidado, em letra maiúscula para leitores iniciais, revelando o universo variadíssimo de criaturas que bem observadas são tão diversificadas quanto o imaginário dos leitores a que se destina. Atentos à especificidade característica de cada criatura, ao leitor está a surpresa reservada como sendo personagem principal da narrativa, logo questionada no título deste livro. Um livro divertido sobre a diversidade, excepcionalmente criativo no seu aspecto visual com texturas de colagens e sobre posição de traços coloridos da ilustradora espanhola que é responsável também pelo breve texto que acompanha a narrativa.  

 

Será... um gato ?

Guido Van Genechten (texto e ilustração)

Gatafunho – Rodopio de letras (2015)


Livro com alguma resistência, plastificado, em modo de harmónio, que acresce um personagem a cada aba que se abre, fomentando o espanto a cada mudança de página e ao desenrolar cumulativo da narrativa. Num total de cinco abas, com cinco imagens de animais diferentes e sem texto, constitui-se por isso mesmo, um livro de inúmeras leituras e infinitas descobertas.
Com mais três títulos no mesmo formato: Será ... uma rã?; Será... um caracol? ; Será ... um rato?.  Possibilitam narrativas diversificadas e diferenciadas acerca dos animais, alguns do universo familiar das crianças, outros menos conhecidos, permitindo através  de um visual de colorido tropical um manancial de vocabulário infinito.

Mamã?

Texto e ilustrações: Chris Haughton

Orfeu Negro (2016)


Mãe há só uma, claro, a nossa. Tal como cada um o sabe, também o pequeno mocho com que travamos conhecimento logo na capa. O título na interrogativa revela-nos uma demanda, a do mocho que ao adormecer caiu do ninho e parte numa busca atribulada da progenitora. Livro cartonado de dimensão 15,9 cm por 15,8 cm, com páginas e jogos de imagens a meia página, transporta-nos para o sentimento de perda e a inquieta demanda em busca da tranquila segurança do lugar de abrigo.

Escrito e ilustrado pelo irlandês Chris Haughton é um livro delicioso na sua narrativa ternurenta. O personagem principal espelha a inocência da infância para quem o livro se destina, contudo adultos sensíveis, facilmente mergulharão num desfile de ternura a par do humor, na redescoberta permanente e circular que a obra permite no seu aparente final feliz.

Porque os bons livros para mãos pequenas são um permanente olhar literário sobre o que nos rodeia, no final do livro há uma piscadela de olho à frase de Daniel Defoe, na obra Robinson Crusoé: “Assim, nunca vemos o verdadeiro estado da nossa condição até que os seus contrários o revelem; nem sabemos dar valor a tudo o que apreciamos senão na sua ausência”. Livro que obteve o prémio Andersen 2013.


                                                                                                                    Elvira Cristina Silva



in: rubrica Instantes Inclusivos da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão - 
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial)  Vol. 7 - Nº 2 (dezembro 2016) (pág. 41 - 44)


Capa de Raquel Reis