terça-feira, 30 de maio de 2023

Instantes Inclusivos - A literatura no prato

A temática da alimentação está recorrentemente presente nas narrativas da literatura infantil. Apelando para o ciclo da vida, das tradições ancestrais à roda da mesa ou alertando para uma alimentação saudável. A temática está presente desde a Capuchinho que leva o lanche à avó passando pela Lenda da Sopa da Pedra que partilha de elementos comuns de outras narrativas do mundo onde um frade esfomeado a quem ninguém quer ajudar, consegue os diferentes ingredientes para uma sopa bem real. Muitos são os títulos que nos trazem o prato para a literatura. Muitas e difíceis são as escolhas. Aqui deixo algumas partilhas.


Eric Carle, autor internacionalmente conhecido, tem nas suas edições a sobejamente conhecida A lagartinha muito comilona”, editada em diferentes tamanhos e formatos, um título incontornável na literatura infantil. Poucas são as crianças e adultos que não conhecerão este clássico da literatura infantil, originalmente publicado em 1969. A narrativa de ilustrações brilhantes com recurso à técnica de colagem acompanha o ciclo de uma lagarta desde a saída do casulo à transformação em borboleta.

Entre nós, editado pela Kalandraka, conta com a versão original em 2007, seguindo-se em 2014 uma edição especial do 45º ano de publicação, com capa comemorativa utilizando a técnica da impressão lenticular, que nos permite mover a imagem e em função do ângulo do olhar assistir a toda a metamorfose ; 2020 - edição pop up, edição comemorativa dos 50º aniversário de publicação.

O olhar, sempre inteligente, do autor/ilustrador nas duas primeiras versões apresenta-nos as diferentes páginas com perfurações onde é visível as refeições variadas da lagarta ao longo dos dias da semana. Refeições, similares na maioria dos casos, à das crianças, brincando com as quantidades e os seus excessos. A versão pop up alarga esta narrativa às imagens tridimensionais.

                                                                                         
O Nabo Gigante
de Alexis Tolstoi; Ilustrações de Niamh Sharke
Livros Horizonte (2002)

Deste conto original russo existem várias versões editadas. Este recolhido por Alexis Tolstoi no séc. XIX, publicado pela Livros Horizonte é sem dúvida a publicação merecidamente mais conhecida nas estantes de bibliotecas e casas portuguesas, em parte pelas sublimes Ilustrações da premiada artista irlandesa, Niamh Sharkey.
Acompanhando as caraterísticas de um conto popular, narra a vida de um casal de velhinhos e as suas atribulações na vida do campo e as respetivas sementeiras, apelando para os ciclos do tempo, a espera, a mudança e predominantemente a solidariedade. 

                                                                                                            Come a Sopa, Marta!

Marta Torrão

Bichinho de Conto (2004) Reedição com outra capa em 2016   

Marta, a protagonista, talvez a homónima, simboliza todas as crianças que não gostam de sopa. Quem não recorda na sua infância a voz do adulto, uma mãe omnipresente que nos remete para uma infância de persistência e esforço perante um prato desafiante de sopa…

Um livro delicioso, apesar de todas as contrariedades alimentícias, onde a sabedoria materna apela para um jogo de curiosidade, sentimentos e muita ternura. Um jogo sábio para os pequenos leitores e uma cumplicidade para os mais crescidos.

Uma cumplicidade gráfica entre o visual e o texto com jogos de colagens e sobreposição de texturas. Merecidamente este livro foi vencedor do Prémio de Ilustração em 2004 e faz parte também da seleção internacional White Ravens, distinção atribuída pela Biblioteca Internacional de Munique. 

Um livro que permanecerá um clássico.                                                                                                                                                                                                      


Dia em Que a Barriga Rebentou

Texto de José Fanha 

Ilustração: Maria João Gromicho  

Edições Gailivro (2009)

O narrador revela-nos logo nas primeiras páginas a alimentação importante nas diferentes refeições. Um desfile inicial de sabores, cheiros e cores apresentando deste modo uma alimentação variada a contrastar com a da família Bisnau, que só vivia para comer, não só às refeições, mas a todas as horas do dia. A alusão aos hábitos de uma família de aves que come sem parar e que enchem a boca de tudo o que conseguiam apanhar é o mote para a abordagem dos excessos e em especial da obesidade. De um modo humorístico e lúdico José Fanha partilha neste texto a enorme “gula” dos personagens que visível logo no título nos antecipa a viragem da narrativa, pois um dia a barriga do Bisneco rebentou, que é como quem diz, tem uma indigestão. Uma ida ao hospital confronta o personagem com os maus hábitos alimentares. Talvez, por isso, a família Bisnau possa modificar os seus comportamentos com uma dieta rigorosa e exercício, permitindo ter uma vida mais feliz e saudável.


Sopa de nada

Texto de Darabuc

Ilustrações de Rashin Kheiriyeh 

OQO (2011)                                                                        

Uma analogia à narrativa da Lenda da sopa de pedra, numa versão antropomórfica hilariante com ratos, gato e uma raposa como protagonistas. Nesta versão o frade é substituído pela astúcia de João Rato e Maria Raposa. Numa sequência cumulativa de ingredientes gastronómicos que nos conduz a um final “prodigiosamente cozinhado”, o prato propriamente dito e o desfecho humorístico de um rato que continua a roer as pedras de tão gostoso repasto.

Ilustrado com recurso a carimbagem, tintas e colagem de diferentes materiais evidenciando texturas gráficas muito singulares e apelativas, faz desta obra um soberbo “confecionado”.  


Compota de manzana

Klaas Verplanckle

ediciones ekaré (2012)

Um livro narrado na primeira pessoa que relata a relação do protagonista com o seu pai. Relação essa que oscila, como com todas as crianças entre o amor e o enfado. As ilustrações fantásticas arejadas e soberbas acompanham o pouco texto da narrativa de modo sublime.

Sentimentos e sensações entre medos e retornos ao lugar onde nos esperam, apesar das “tormentas momentâneas” há pais que nos esperam sendo reconfortantes com dedos a saber a doce de maçã.

Uma narrativa para “lambuzar” repetidamente. 



A Revolta dos Vegetais 

de David Aceituno; Ilustração: Daniel Montero Galán  

Nuvem de Letras  (2017)

Tudo começa com um burburinho no frigorífico. Dentro deste, os vegetais dinamizam uma revolta contra as crianças que permanentemente se recusam a comer vegetais.

O formato textual, tendo como objetivo incentivar as crianças a comerem vegetais, convive com uma ilustração que oscila entre a banda desenhada e cartazes publicitários, utilizando símbolos e códigos. Os personagens assumem um papel antropomórfico nas suas reivindicações. De modo humorístico este álbum ilustrado joga com aspetos literários/culturais e visuais que o público adulto reconhecerá, permitindo ao jovem leitor uma descoberta gráfica muito interessante mas que necessita de alguma prévia compreensão leitora a par do eventualmente acompanhamento do adulto.

A horta do Simão

Rócio Alejandro

Kalandraka (2017)

Simão é o protagonista desta narrativa que se sucede a um ritmo quase previsível. Digo previsível porque permite diferentes associações e contestações/interpretações por parte das crianças à medida que ela se vai desenrolando, possibilitando prazerosas e importantes tertúlias sobre a aventura que se vai desenrolando. Depois de uma progressão cumulativa de personagens e acontecimentos, já perto do final da história num toque quase mágico e de fator surpresa o desenlace apresenta-nos como um sinal dinâmico que nos surpreende para a importância da partilha e solidariedade.

Inspirada na horta comunitária do seu bairro, a autora Argentina apresenta-nos um livro lindíssimo desde a simplicidade funcional e oportuna das guardas, passando pelo desfile cumulativo dos acontecimentos. Merecidamente ganhou em 2017, o Prémio Internacional de Compostela para álbum ilustrado. 

Porque é que Tenho de Comer os Legumes? 

Enciclopédia saber quem sou n.º 3 

Emma Waddington e Christopher Mccurry

Ilustração: Louis Thomas 

Booksmile (2018)

Porque é que tenho que comer legumes é um livro que faz parte de uma enciclopédia. Esta e outras doze questões ligadas à alimentação, hábitos de vida saudável e segurança são respondidas de modo a criar debates entre pais e filhos sobre cada questão. Um livro para ler a pares adulto/criança.


Rita e a Floresta de legumes

Rita Redshoes e Narciso Moreira

Betwein (2018)

Um livro que resulta de um projeto pedagógico de promoção de alimentação saudável. Narrativa da artista musical Rita Redshoes, dinamizada musicalmente ao vivo ou em sessões online pela autora em parceria com a empresa Betwein. Uma menina que teima em rejeitar os vegetais, até ao dia em que estes se tornam diferentes e tristes ao se sentirem abandonados num extremo do prato. Uma viagem estranha acontece à protagonista numa aventura pedagógica. 

 

Um Bolo para o Lanche 

de Christian Voltz

Kalandraka (2020)

A ilustração irreverente e criativa de Christina Voltz é facilmente identificável. Rostos, narizes, e cabelos dos personagens são-nos revelados através de utensílios de madeira, uso de arame, a par de outros materiais reciclados. Desta feita numa narrativa culinária recheada de amor e muito humor. No primeiro caso, porque o protagonista, o senhor Anatole convidou a menina Blanche, eleita do seu coração para lanchar desejando presenteá-la com um bolo. Mas como existem algumas dúvidas neste repasto, variadíssimos ingredientes vão sendo adicionados a conselho dos amigos que vão dando uma ajuda. Sucedem-se as experiências até à chegada da convidada que surpreenderá o próprio senhor Anatole com a sua descoberta. Hilariante nas peripécias que se sucedem em cada dupla página, em complemento de um olhar prévio escondido nas guardas onde se encontram as receitas de mãe, sempre um recurso de auxilio nestas questões de culinária. Um livro recomendavelmente saboroso!  


O Bolo de Maçã -Um hino à gratidão

Texto de Dawn Casey; Ilustração: Genevieve Godbout 

Fábula (2021)  

 

 Este livro deliciosamente ilustrado por

Genevieve Godbout, leva-nos juntamente com a protagonista a um passeio pelo campo.

Ao longo do percurso pela natureza é feito um agradecimento sistemático à natureza e ao que nos proporciona, conduzindo-nos até às delicias com que se pode confecionar o referido bolo. Um livro que representa uma ode aos outros e ao que compartilhamos na casa onde todos habitamos em comunhão com a natureza.

No final do livro é partilhada a receita do bolo para de certo modo a mensagem da narrativa seja continuada na confeção e partilha da degustação do mesmo. Este, quem sabe partilhado sobre uma toalha de mesa com o padrão oferecido nas guardas. Só resta desejar: Bom apetite!


in: pág. 66 da revista Educação Inclusiva Vol.13, nº1 - julho 2022

https://proandee.weebly.com/revista_v13n1_jul2022.html