quarta-feira, 19 de abril de 2017

Cadê o carimbo?


 Renata Bueno, ilustradora, nasceu no Brasil. É arquitecta de formação e como artista plástica é autora de diversos livros para a infância.
Tendo por base carimbos, que, imagine-se, comprou em Portugal numa das suas viagens, apelidou três livros seus, nomeadamente: Cadê o cavalo?; Cadê a mosca ?; e ainda Cadê o peixe?; Coleção Carimbo, publicados pela Jujuba editora (2013).



Tive contacto com estes livros quando participou, sendo a única brasileira selecionada, na VI Bienal Internacional de Ilustração para a infância,  na Ilustrarte 2014.
Nesse contacto deslumbrei-me com estes pequenos livros, partindo de um conceito tão simples quanto potencial criativo oferecia.
Atualmente, já com os livros na mão, chegou o momento da partilha com as crianças que deram o seu  contributo de um olhar atento e imaginativo.
Cada livro, como indica o título, parte de um carimbo, depois é adicionado o traço num complemento final digital. 
Não existe propriamente uma narrativa ao longo do livro. Cada estória reside individualmente em redor de uma rima, em página dupla, ilustração num lado da página, rima do outro, não sendo constante a coerência dessa opção.
O incentivo é na procura do carimbo “escondido” no meio da ilustração, o que de certa foram tem que ser controlado pois corremos o risco de em cada página esquecer o texto, em prol da busca fugaz de um carimbo que teima em esconder-se.
A exploração das imagens é universal pelo que o público alvo destes livros não tem idade específica. Existem duplos sentidos e muito humor, quer nas rimas como nas ilustrações, possibilitando ambas um recurso de horas indetermináveis de atividades lúdicas, quer explorando a linguagem quer a expressão gráfica. A criatividade não permite certo ou errado, pelo que todas as explorações são possíveis. Por aqui a opção tem sido a de um carimbo à escolha, imaginá-lo num contexto e depois dar corpo a uma narrativa. 
Depois.... bem, depois é o que se desejar. Por aqui estamos em fase de construção de livro mas já há ideias para um puzzle gigante e jogos de memória. 
Por enquanto mais do que preocupados com o resultado final da atividade desenvolvida, o que conta é o processo. E esse tem sido muito criativo. Na vontade de carimbar e criar mais enredos, diariamente continuo a ouvir: 
"Cadê o carimbo?"


Elvira Cristina Silva

Aqui ficam alguns registos:













Nota: Estes deliciosos livros podem encontrar à venda em: 
R. Gomes de Amorim 12-14, 2710-569 Sintra, 2710-569 Sintra 


sábado, 15 de abril de 2017

7X25 Histórias da Liberdade




7X25
Histórias da Liberdade
Margarida Fonseca Santos (Texto)
Ilustrações Inês do Carmo
Gaillivro (2008)
De modo a preservar e a perpetuar a memória, este livro editado em 2008, com várias reedições posteriores, aborda a efeméride que Portugal viveu em 25 de abril de 1974.
Margarida Fonseca Santos escreve sete pontos de vista de objetos simbólicos, envolvidos na referida data, que embora de algum modo subjetivo, retratam a sequência dos acontecimentos, permitindo construir a narrativa dos primeiros momentos vividos ou os que antecederam a esse dia histórico.
Em episódios narrados na primeira pessoa, conhecemos o semáforo que parou os carros blindados guiados por um capitão, a porta do estúdio que assistiu à emissão do posto de comando das forças armadas, a espingarda que comoveu o mundo com um cravo no centro do seu cano, o lápis azul utilizado pela censura, o documento incriminatório, o megafone que anuncia a liberdade numa reunião de estudantes e o portão da prisão de Caxias que albergou os presos políticos.
A ilustração, de Inês do Carmo, numa sobreposição de recortes de texturas e cores com composição final digital, vai convocando, a par do texto, o desenvolvimento de uma possível  compreensão inferencial dos factos para que o universo da população alvo possa, de algum modo, na proximidade a elementos reconhecíveis dos seu quotidiano, perspetivar um testemunho que não viveu presencialmente, mas que a memória de um povo urge preservar no sentido de como foi possível uma revolução para “(...) conquistar a liberdade em elevar Portugal a um estado democrático” (...)" pág. 11.


Elvira Cristina Silva

in: Newsletter nº 108 Pin- Pró-Inclusão abril 2017 pág. 12

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Grande Livro dos Medos do Pequeno Rato

Grande Livro dos Medos do Pequeno Rato
Emily Graveytt
Livros Horizonte (2010)

A ideia central deste livro é espiar os medos do pequeno personagem, obviamente numa identificação análoga à do “pequeno” leitor, os medos são evidenciados através dos seus termos científicos, a par de elementos visuais com sentido de humor que parodiam a carga de drama insolúvel que se manifesta em todos os animais.
Num primeiro momento, imagina-se que a autora fez o registo de cada fobia no cabeçalho de cada página, convidando deste modo o leitor a preencher o espaço em branco, de acordo com a sua vontade e necessidade própria.
No entanto, deparamo-nos com um livro já usado e preenchido por um anterior leitor: um rato. Este, que desde o início se apresenta na capa, rasurando o nome da autora e colocando o seu, roendo um buraco no livro.
É através desse buraco que o avistamos, na companhia do lápis que permanecerá com ele ao longo de todo a narrativa, pois é com esse utensílio que irá enumerar os seus medos e de certa forma, espera-se, que os supere, como é referido na página de abertura. Lida-se com os medos através do rabiscar, o protagonista dá o mote com o lápis que sempre o acompanha. Lápis espiador dos medos, à semelhança do cobertor do Linus (personagem dos “Peanuts”). A mediação deste livro, permite, deste modo, abordar os medos, alargando a opções lúdicas.
Diversas técnicas e materiais, como desenhos a carvão, colagens de jornais, postais, mapas, fotografias, pensos rápidos e outros elementos relacionados com quedas, azares e infortúnios diversificados, ilustram os medos do personagem, quiçá, a par, também dos receios do leitor.
No final da narrativa o confronto entre o rato e a autora, conflito este que provoca a reflexão sobre o relativo e a subjetividade perante os receios individuais.  Nesta ténue conjugação dos elementos visuais que implica uma observação atenta e dedicada, encontra-se o fascínio deste livro. Todo ele numa delicada coerência, desde a qualidade do papel (textura), capa (dimensão e formato, com a particularidade de existir um buraco de onde se avista o rato protagonista da ação), até à dimensão da narrativa.
A capa, antevendo, o conteúdo, manifesta-se original, no impacto visual que oferece. Revela-nos uma janela para a descoberta, dando já uma piscadela de olho aos medos, revelados posteriormente. Assim como o adequado aproveitamento das guardas, na introdução ao tema (pensos rápidos, escadas, animais ferozes, facas afiadas...) anunciam, habilmente, uma narrativa terrífica. 
Um ponto forte, deste livro, é sem dúvida, a relação assumida de complementaridade entre texto e imagem, onde ambos os elementos coabitam no mesmo espaço e se complementam. A narrativa é feita em diversas camadas, compreendida através da ilustração, de elementos textuais e paratextuais.
O tipo de letra, assumido como sendo feito à mão, convive com letra de imprensa de recortes, mas toda essa mistura é composta de forma cuidada, não deixando o leitor confuso.
O pictórico das ilustrações e a legibilidade das mesmas, harmoniosamente colocadas com o escasso texto, remetem para uma facilidade na leitura, quer
pela sua disposição organizada na página, quer pelo imaginário e humor que proporcionam.
Um livro que se apresenta muito coerente no ritmo e na cadência que surpreendem em cada página, na cuidada ilustração e a previsibilidade do final que amainará todos os receios enumerados.
Numa conjugação perfeita de simplicidade, sendo esta a experiência subjetiva e julgamento de um observador, o leitor é convidado, através de todo o aspeto gráfico, a estabelecer empatia com o enredo (temática) e a identificar-se com a riqueza simbólica da informação, possibilitando aceder a novas experiências de informação.
A autora, cativa o seu público alvo e encanta os leitores adultos, na medida em que são perceptíveis informações paralelas, sendo neste sentido que se insere a complexa simplicidade deste livro e a capacidade para estimular a imaginação.
Versando os medos, este livro, ecoa em todas as idades (para além da faixa etária recomendada pelo PNL), pelo facto de possibilitar não só os diferentes “modos de olhar e de ver” bem como pela transversalidade temática cultural e histórica de cada individuo. Livro que, muito provavelmente, se ficará com algum receio de o perder!


Elvira Cristina Silva

in: Newsletter da Pin- Pró-Inclusão (março 2017) pág. 11