domingo, 1 de novembro de 2020

Instantes Inclusivos - Somos todos parte do mesmo mundo, mesmo sendo diferentes.

 Somos todos parte do mesmo mundo, mesmo sendo diferentes.

Com base na premissa do título dado a esta rubrica, apresentam-se diferentes livros onde este conceito se manifesta. Livros genialmente pensados para falar do ser humano, da sua individualidade, na sua passagem pelo tempo, do modo como convive em sociedade ou o tenta fazer, mas principalmente na importância crucial da diversidade. 

Quebra-cabeças
de Diego Bianki 
Kalandraka (2017) 
 

Quebra cabeças é originalmente publicado em 2013, exposto na Ilustrate 2014 (exposição bienal de ilustração em Lisboa na mesma data).
Foi, precisamente, na Ilustrarte que o manuseei pela primeira vez. Desde logo me fascinei pela capa. Quando a observamos logo nos seduz, e todo o encanto inicial se completa no folhear das suas páginas como um autêntico deleite.  Cada uma delas constitui-se como um factor surpresa, a par de uma mensagem acompanhada de pequeno texto remetendo para características únicas e individuais de cada personagem. A ilustração de enorme criatividade é da responsabilidade do argentino Diego Bianki que une a mensagem inclusiva à ética da reciclagem, revelando-se uma experiência indescritível.  
Premiado na Feira de Bolonha em 2016, com a Menção Especial atribuída pelo júri na categoria de “Disability” chega a sua tradução  a Portugal em 2017 pela editora Kalandraka. 
A meio do livro, o leitor é confrontado com um desdobrável que convida a um acesso privilegiado de observação atenta e minuciosa da mensagem que pretende transmitir. Cada página remete para a individualidade de cada personagem, no respeito pela diversidade.
O trabalho gráfico, para os mais distraídos, é explicado no final do livro, com a utilização de inúmeras e diferentes caixas de cartão pintadas, que  representam diferentes identidades individuais, mas que, tal como no mundo real,  na verdade se relacionam. O leitor, é nesta seção final, convidado a também ele criar as suas próprias personagens e a realizar os seus próprios quebra cabeças. 
Este  livro/jogo, a par de uma preocupação ecológica, “Recuperar, reciclar e reutilizar" logo evidenciada na página inicial, aborda a existência única do individuo, a sua relação com os outros seres na terra, para além do universo, utilizando de certo modo o humor para criar um quebra cabeças infinito de um mundo, onde todos estamos representados e do qual fazemos parte. 
Orelhas de Borboleta
Texto de Luisa Aguilar; 
Ilustração de André Neves 
Kalandraka, (2011)

Orelhas de borboleta, de certo modo, através de alguma ironia combate os estereótipos do famigerado “bulling”, em que muitas vezes as crianças se veem confrontadas, mas sendo também elas atores. Dos dois lados, vemos os que são alvo de troça e os que recebem esses rótulos. 
De modo humorístico, com alguma ironia,  a personagem alvo de troça, a par do reforço da figura maternal, como suporte, valoriza os seus apontados defeitos, apresentando-os como relevantes nas analogias que faz. Mara, a personagem não só brinca com os outros como consigo própria. O texto sensível, direto mas também poético de Luísa Aguilar desfila a par da poesia da ilustração de André Neves que combinando diversos materiais e diferentes texturas nos transporta para um mundo sensível e poético do respeito pelo outro.
Livro finalista do IV Prémio Nacional CIttá Di Bella 2008 (Itália).


 
 Os de cima e os de baixo
Texto e ilustração de Paloma Valdivia
Kalandraka (2009)  
 
Pautado pelas diferenças de viver em mundo paralelos, também as semelhanças fazem parte do mundo que habitamos. As divergências podem mesmo completar-se ou existir em simultâneo e no desejo universal podemos até coexistir juntos, não existindo desse modo a diferença espacial que nos separa. 
Texto e ilustração da Chilena Paloma Valdivia que inteligentemente nos mostra de modo humorístico em dois tempos, ilustrações simétricas de cores suaves. Ao manusear este livro, o mesmo convida o leitor a fazê-lo modo antagónico à leitura habitual.  Com base na referência espacial, texto e imagem podem ser lidos em diferentes posições e sentidos da narrativa social e estética, chegando mesmo, após um voo, a misturar-se habitantes das diferentes latitudes. Um livro que deliciosamente nos transporta para o que somos e onde pertencemos. 

 

A Orquestra
Uma volta ao mundo à procura dos músicos
Cloé Perarnau 
Planeta Tangerina (2018) 

Livro de grande formato, em forma de jogo, solicita ao leitor a busca de diversos personagens. Em jeito de “Onde está...”, a narrativa convida a uma viagem pelos vários países do globo, na busca dos diversos músicos que em véspera de concerto desapareceram.
Replicando a ideia de postais ilustrados, o maestro recebe pistas para localizar os músicos. De modo curioso existe algumas analogias entre os instrumentos e as cidades onde se encontram os respetivos executantes. Uma viagem musical através do conhecimento do mundo onde vivemos para olhos bem atentos aos pormenores da ilustração.


O tempo do gigante 
Texto de Carmen Chica 
Ilustração de Manuel Marsol
Orfeu Negro (2015)

O tempo do gigante, é tempo de qualquer um de nós, porque o tempo é o que fazemos dele ou o que damos valor na sua passagem. Um desfile das estações do ano, da memória e da nostalgia da passagem dos dias. Porque muito frequentemente, não se passa nada de especial nas nossas vidas. Episódios que simplesmente acontecem, nada de extravagante. Apenas a memória e a passagem do tempo. 
O texto simples, elucida o leitor para o pensamento do personagem, na linearidade do seu pensamento na leitura da vivência dos seus dias. A ilustração acompanha a reflexão do personagem, remetendo o espectador para um olhar mais atento e preciso do que por vezes acontece à nossa volta, sem que se dê conta. 
A ilustração arrebatadoramente sedutora, de Manuel Marsol, de cores pálidas com alguma opacidade, transporta-nos para a sensibilidade poética do mundo em nosso redor. Do que cuidamos enquanto existimos, do que valorizamos nas memórias que transportamos. 
Livro de grande formato, publicado originalmente em Portugal, na referida edição. Feliz opção da editora, que pela escolha poética e estética da obra supracitada lhe valeu posteriormente sucessivas edições estrangeiras (Espanha, Korea, China).
Livro galardoado com o Prémio Amadora BD em 2015 para Melhor Ilustração de Livro Infantil, tendo em 2016, este festival dedicado uma exposição ao ilustrador e à sua obra. Cinco das suas ilustrações foram premiadas com o 1º prémio do Catálogo Iber-Americano de Ilustração (2014). 

 


Obrigado a todos
Texto de Isabel Minhós Martins
Ilustração de Bernardo Carvalho
Planeta Tangerina (2016)
(1ª edição – 2006)

Obrigado a todos remete para a circularidade desta rubrica. Todos fazemos parte de um mesmo mundo. Não vivemos sozinhos, dependemos e aprendemos com os outros. Conhecemo-los e intrinsecamente conhecemo-nos a nós próprios. Descobertas e experiências relevantes no desenvolvimento de cada um que transforma a nossa identidade. Por isso mesmo, a personagem deste livro sente-se grato com a partilha e decide que essa aprendizagem deve ter um retorno, neste caso, em forma de agradecimento.
O texto, de modo linear, acompanha o conhecimento do personagem no desenvolvimento da sua aprendizagem, dir-se-ia, das pequenas coisas da vida. Mas essas singularidades são afinal pormenores tão relevantes para as características que temos, algumas delas que assimilamos na apropriação das relações e dos afetos. De ligações e conexões textuais tão bem acompanhadas da ilustração equilibrada entre cores quentes e frias, de guache e acrílico, em formato quadricular, como que parecem encaixilhadas, de certo modo como de um álbum de fotos se tratasse. Talvez porque, retemos na memória, imagens das vivências e histórias que cada um de nós impregnou na pele. Somos parte da memória que com os outros partilhamos. 

In:  Instantes Inclusivos da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão - 
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial) vol. nº9 - nº 1 - julho 2018



sábado, 31 de outubro de 2020

Instantes inclusivos em tempos natalícios

Em tempos natalícios corre a azáfama e nela a procura de livros relacionados com o tema. Inúmeros são os títulos que incidem ou que circundam a temática. A opção nunca é fácil.  Na minha preferência estão os que se elevam para além do tema, tecendo o fio das palavras e dos afetos, sacudindo as mentes com as questões da vida para além de um marco anual. Num registo que medeia a comemoração num tempo que se apela à importância da família, à partilha e à dádiva percorre-se eventualmente um tempo do percurso da infância que desaparece depressa demais. É nesse tempo da memória de infância, dos tempos mais demorados e bucólicos, misturados com os cheiros e das correrias próprias da infância, que recaem as minhas escolhas.
Abordando o natal agitando os apegos e apelando à reflexão natural das coisas, muitos são os livros que brincam com os mistérios do pai natal e a sua própria existência.
Exemplo disso é o hilariante Sabes, Maria, O pai Natal não existe de Rita Taborda e Luís Henriques. Caminho (2008).

Com humor e sentido critico Rita Taborda Duarte transforma um assunto cliché numa deliciosa trama psicológica. No seio familiar, um irmão quebra o deslumbramento da existência do velho de barbas brancas, questionando não só o imaginário infantil que existe em todos nós, como coloca a questão da identidade e reconhecimento do próprio pai natal. As ilustrações de Luís Henriques, numa linha gráfica de tinta da china e utilização de lápis, que tão bem completam habitualmente a mestria humorística da autora, transporta-nos para alguns ambientes isotéricos que adultos mais atentos reconhecerão. As crianças, essas, não ficarão indiferentes, quer a toda a teia textual, como ao inesperado final que se deseja numa narrativa reflexiva que efetivamente sossega e clarifica as nossas dúvidas e satisfaz os nossos desejos e crenças mais fervorosas.
Dúvidas que a existir, em muitos casos, são as crianças que explicam aos adultos. É o que acontece em:
Eu sei tudo sobre o pai natal de Nathalie Delebarre e Aurélie Blanz. Editorial Presença (2010)
Livro no qual,  o narrador autodiegético, contrapõe as afirmações e dúvidas dos adultos, relatando, enquanto observador do mundo que o rodeia, os seus pontos de vista sobre a existência do pai natal. Numa ilustração contemplativa e mágica a narrativa da imagem acompanha os pontos altos da descrição textual numa circularidade perfeita entre inicio e fim da história que as guardas nos oferecem.
Humaniza-se a personagem idolatrada do pai natal com tudo que de humano e místico ele possui. Porque afinal é um personagem de carne e osso, tal como nos remete a narrativa do livro:
 As férias do Pai Natal de Lourdes Custódio e ilustrações de José Cardoso Marques. Campo das Letras (2001)
Humanizando a personagem do pai natal, elenca os seus contextos de vida fora da época natalícia. Um pai natal versátil, usufruindo das férias merecidas depois da época bucólica e agitada em que tem o seu destaque, munido de telemóvel e computador portátil não descurando nunca, a eterna faceta de responsável no que concerne às suas tarefas. As ilustrações bastante coloridas numa composição analógica completam as descrições textuais.



Au Village des péres noel – ken kuroi e Junko kanoh (mango – 1991)
Um percurso em forma de calendário que acompanha, durante os doze meses do  ano, o quotidiano e rotinas da vida, não de um pai natal, mas de vários, na preparação e organização das tarefas até à noite mais esperada para todas as crianças da Terra.
A ilustração remete para uma paleta de cores pastel, bem luminosa, conferindo uma certa simplicidade estética que harmoniza texto e imagem. 


Porque o natal é o ambiente da família Cinco Pais Natais e tudo o mais de Manuela Castro Neves e ilustrações de Maria Bouza. Máquina de Voar (2015),  aborda acontecimentos em época de Natal, no conceito de família e das  crianças na relação com esta, a magia, o humor, a alegria, numa narrativa crescente recheada de elementos rítmicos, da aproximação da prosa à rima das palavras. Estas, a par da sua sonoridade, remetem para a cadência dos acontecimentos, com alguma previsibilidade dos mesmos, possibilitando de certo modo alguma cumplicidade de previsão das situações, devido ao efeito cumulativo da narrativa espiral a que as peripécias se vão sucedendo. Existe da parte da autora uma intenção na vertente lúdica e pedagógica na abordagem de conceitos matemáticos versando simultaneamente a questão dos afetos de uma família que se preocupa com a brincadeira do protagonista que procura cinco Pais Natais de chocolate, revestidos com papel de prata de cores garridas, a par dos preparativos natalícios habituais desta época festiva.
A ilustração de Maria Bouza, numa paleta de cores pastel, alusiva à época festiva, de padrões também eles cumulativos, oferece a simetria entre o aspeto gráfico, em perfeita harmonia com o texto (também este sequencial). 
O aspeto geométrico da ilustração assemelha-se a uma construção de colagens e recortes, de nivelamento anatómico com alguma estilização bem próxima do detalhe que é familiar das crianças. Estas reconhecem-se nesta síntese bidimensional, muito próximo das suas criações gráficas.
Uma história que permite variadas leituras, podendo transgredir na sua sequência narrativa, como na leitura gráfica, oscilando entre cada acontecimento da vida diária e o desenrolar das mesmas para o desfecho final. Este, particularmente hilariante e feliz, da vida de um peru à mistura de bombons de mirtilos e limão.

O natal em família é feito de um tempo único de experiências e brincadeiras, todas elas envoltas de algum secretismo, existindo mesmo determinadas regras. É o que se passa contemplando:
 Attention Noel  de Raphael Fejto – L ´école des loisirs (2014)
Constitui-se como um livro jogo, interativo, partindo de sinais de trânsito evoca determinadas regras natalícias (obrigações, proibições e precauções) amovíveis que se destacam em cada página.
Se, por exemplo, quando neva, as crianças podem exibir o sinal da obrigação de fazer uma batalha de bola de neve aos pais, também estes, pelo seu lado, podem exercer o sinal de proibição para pedir muitos presentes no momento de escrever sua carta ao Pai Natal, mas claro, o inverso também é possível. Um modo lúdico e humorístico de revisitar e de agir durante a época de Natal.
Livro grosso, cartonado, bastante robusto o que permitirá que transversalmente crianças e adultos possam o utilizar e partilhar vezes sem conta.

Milagre de Natal com texto de António Torrado e ilustrado por Inês Oliveira; Civilização editora (2008), é em si próprio uma autêntico milagre quer na delicadeza do texto, como na ilustração quase cinéfila que nos embala para a azáfama do natal, das compras e das correrias a par das distrações eventuais de um pai natal.
Um cachorro, evidente na capa é o mote da trama. Abandonado na rua, acaba por chegar por engano, como se de um presente se tratasse, a casa de uma família que o confunde inicialmente por um peluche. Mas esta sinopse da narrativa é pobre para descrever todo um texto esmeradamente poético e que nos coloca no papel do personagem abandonado e fragilizado, perante as pessoas que correm à pressa, focadas nas últimas compras, num tempo tão solidário.
Existe uma versão mais recente com ilustrações de Tiago Pimentel (Edições Asa – 2016), nesta edição, o desfecho final é quase evidente na capa, ao contrário da primeira edição onde toda a ilustração a par da narrativa, nos deixa em suspense até ao final da mesma. Em termos de ilustração, design gráfico e acabamento final, a minha preferência, vai sem dúvida para a primeira edição.


Sonho de neve do fascinante autor/ilustrador Eric Carle, editado em formato cartonado pela editora Kalandraka (2010) constrói uma analogia metafórica de um agricultor com o pai natal, fomentando  uma narrativa simbólica sobre os mistérios desta festividade. As ilustrações num agradável colorido de estilo “inconfundível” (de colagens e texturas a par de páginas em acetato) associadas ao factor surpresa, na interação com o público destinatário, tornando-o cúmplice de uma intensa experiência mágica, táctil e sonora.

Na noite de natal é certo que nem todos têm a sorte de ver a chegada do pai natal. Outros porém conseguem-no. É o que se passa em Um beijo para o pai natal de Elisabeth Coudol, (Edições Nova Gaia – 2001). Max, a criança protagonista desta história, fica acordado à espera do pai natal, como é sabido, todas as crianças têm esse desejo. Mas perante a alegria do encontro existe o confronto com a velhice, cansaço e desalento do pai natal. Depois de muitas tentativas por parte do protagonista, finalmente consegue descobrir o que faz o pai natal sonhar! Por isso mesmo receberá um beijo do pai natal. De narrativa simples, bem encadeada e com algumas peripécias envolvemo-nos saborosamente a identificar as coisas simples da vida. Ilustrações de cores vivas  e quentes, a par da época natalícia num desfecho final nas guardas do livro. 

Une étoile dans la nuit – Texto de Faustina Fiore e ilustrações , design e engenharia de papel por Andy Mansfield – 2011 – editions Quatre Fleuves. O que confere particularidade a este livro é o facto de se apresentar num espetacular pop-up que acompanha o percurso da  célebre estrela que encaminhou os Três Reis Magos, qual farol no universo, numa clara mensagem natalícia de se manter acesa a chama da partilha.


Mas depois do frenesim da data festiva fica todo um tempo suspenso, quase bucólico e nostálgico. O contraste do tempo antes, a par de um momento parado no tempo.
Depois do natal de Beatrice Alemagna; Bags of Books (2010), retrata esse momento em que da agitação se dá lugar à calma, de um tempo intermédio entre o antes “apoteótico” e o depois “nostálgico” no retorno a momentos simples da vida, nos quais se aprendem novas competências ou se decidem novos projetos. A ilustração de composição mista de colagens/fotografia/lápis oferece-nos no desfilar das várias páginas duplas uma experiência sensitiva e nostálgica mas sobretudo poética.


In:  Instantes Inclusivos da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão - 
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial) Vol. 8 - Nº 2 - (dez 2017) (pág.40-42)