terça-feira, 3 de abril de 2018

AS REGRAS DO VERÃO


AS REGRAS DO VERÃO
Shaun Tan
Kalandraka (2014)

Este livro, de grande formato, deleite para os apreciadores de arte, é recomendado pelo autor para pequenos e grandes. Evidentemente que se entende que nada tem a ver com a dimensão do leitor, mas antes uma indicação que é para todos os que se disponibilizam com algum do seu tempo. Tempo para um olhar atento e cúmplice, de quem já vivenciou algumas das situações referidas e sabe que há regras que são indiscutíveis, ou que pelo menos tendem a ser simplesmente “porque sim”.
É de aprendizagens que fala este livro. Num tempo privilegiado de descobertas que é o verão, como que se de um diário se tratasse, a criança mais nova regista os pequenos textos (regras), a par das ilustrações/pinturas de duplas páginas ou página inteira que elucidam as convenções sociais impostas por crianças e/ou adultos e, de algum modo, a consequência do não cumprimento das mesmas. Uma aventura protagonizada por dois rapazes, envolta num ambiente fantástico e surrealista numa busca de conhecimento e autonomia.
Embora exista o aviso, (remetendo para a nota em contra capa: “Nunca quebres as regras. Sobretudo se não as compreendes.”) Existe a “provocação” do quebrar das ditas regras. É na metáfora das experiências de vida, na relação do mundo e com o outro, a par das ilustrações que remetem para a sobredimensão das situações vividas, onde visualmente se deslumbra o descalabro, o espanto, o imaginário, mas também o desafio do crescimento. Envolto em ficção e fantasia, e de certo modo também com uma dose de nostalgia que o autor/ilustrador já nos habituou, este livro poético, oferece leituras paralelas, essencialmente na ilustração que alarga o pouco texto narrativo. Mundos desprovidos de representação real, mas que da realidade fazem parte, contaminando instantes misteriosos e surrealistas numa fascinante incursão da leitura que fazemos do mundo e como nele vivemos, envoltos em medos e desejos, mas sobretudo de descobertas e mudanças constantes. Uma viagem pelo desenvolvimento, a par do absurdo e do imaginário, numa circularidade do que é a aprendizagem real e, sobretudo, de quem afinal, aprende com quem.



Elvira Cristina Silva

sexta-feira, 9 de março de 2018

FRIDA

Frida
Sébastien Perez (Texto)
Benjamimn Lacombe (Ilustração)
Kalandaka (2017)

Olhar a capa deste livro é por si só uma exortação.  O rosto da artista para os que a conhecem é como uma veneração. Para os que a desconhecem o título identifica-a.
A beleza enigmática da capa, a par da obra da artista visada é um enlevo para o leitor. Não se resiste a olhar, a tocar o tecido da capa dura com que é forrado, aumentando o desejo de o folhear.
Ao fazê-lo, percorrem-se as páginas do livro como se viajássemos no tempo, a par de uma exposição museológica que nos remete para o universo pictórico da artista.
A obra começa com o acidente de Frida, que de certo modo predestina o início do seu percurso artístico.

É assim que nasço, debaixo de uma chuva de ouro que num instante me ofusca o rosto. Entre os odores a ferro quente e fumos que irritam os olhos, o sol nasce numa nova paisagem. “


Uma viagem poética, ao longo de nove temas escolhidos simbolicamente na vida da artista (o acidente; a medicina; a terra; a fauna o amor; a morte; a maternidade; a coluna partida e a posteridade, numa ordem cronológica de acontecimentos). Nove é também o número simbólico da cultura asteca e valorizada pela artista, o que preconiza que nesta obra tudo foi pensado criteriosamente.
Cada um dos nove temas, é apresentado por três secções de três  ilustrações, que se sobrepõem com recurso a cortantes. O texto poético recorre a palavras da própria autora (recolhidas do diário e correspondência pessoal), assim como as magníficas ilustrações recriam alguns dos seus quadros.
No final do livro, este possui para além da cronologia história de acontecimentos da vida de Frida, um glossário, precedidos ainda, por um texto explicativo do ilustrador sobre os critérios para a realização do livro, enquadramento pessoal do ilustrador a par da descoberta da riqueza poética e artística da conturbada e fascinante artista.

Ainda há pouco, era eu uma menina que caminhava num mundo de cores. Era tudo misterioso. Agora moro num planeta doloroso, transparente, como que de gelo, mas que nada oculta.”

A  vida e a dor de uma artista que nos contemplou com a grandiosidade do belo, numa obra convertida em arte, como refere o ilustrador num artigo que pode ser lido em:

O belo no seu esplendor. Um livro que, para além de uma homenagem a Frida Kalo, é uma homenagem à arte, constituindo-se ele próprio, uma obra de sumptuosidade estética a que ninguém ficará indiferente após a viagem a que nos entrega.
Um perfeito deleite para os sentidos.

Elvira Cristina Silva


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O Regresso ...ao jardim

Os cheiros, as flores, o jardim. Os espaços deixados pelas saudades. Os afectos que apesar da ausência permanecem para sempre na memória. Os lugares que revisitamos e a que regressamos.
Um livro que me devolve as memórias apesar da perdas. O regresso


Um livro que me acompanha.
A banda sonora para este livro encontrei-a agora: O jardim

Eu nunca te quis
Menos do que tudo
Sempre, meu amor
Se no céu também és feliz
Leva-me eu cuido
Sempre, ao teu redor
São as flores o meu lugar
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim
São as flores o meu lugar
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim
Eu já prometi
Que um dia mudo
Ou tento, ser maior
Se do céu também és feliz
Leva-me eu juro
Sempre, pelo teu valor
São as flores o meu lugar
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim
São as flores o meu lugar
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim

Agora que não estás
Rego eu o teu jardim
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim
Agora que não estás
Agora que não estás
Rego eu o teu jardim

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Instantes Inclusivos... Livros com recurso à comunicação aumentativa

O livro infantil, não necessita propriamente ser só para crianças. Nesta rubrica já referi que um bom livro é transversal e que os adultos são normalmente contagiados, quando o enlace entre uma boa narrativa e a ilustração se fundem na perfeição.
Essa união funciona como complemento das nossas emoções, a narrativa textual penetra a par do que a imaginação lê nas entrelinhas da ilustração.  
O livro, para ser utilizado pelas mãos das crianças funciona a par da narrativa, como um instrumento facilitador da linguagem e comunicação.
O livro adaptado, que recorre aos sistemas aumentativos e alternativos de comunicação (SAAC), funciona como um instrumento facilitador dessa comunicação, no sentido em que para desenvolvimentos muito específicos, devido a diferentes factores, possibilita de modo acessível a aproximação à narrativa, através de símbolos que funcionam como um meio gráfico compreensível e prático.
Ferreira; Ponte e Azevedo (2000) referem três vertentes comunicativas a promover na criança, nomeadamente funcional, espontânea e independente (pág.123).
Para que se possa constituir como  um instrumento de comunicação funcional a história adaptada deve inserir-se em contextos naturais e abranger vocabulário relacionado com os interesses e necessidades da criança, possibilitando que esta interprete os factos e os relacione entre si.
De modo a promover a comunicação espontânea, oferece-se oportunidades de escolha e incentiva-se a tomada de iniciativa.
No sentido de fomentar o desenvolvimento da comunicação independente, recorre-se aos símbolos, os quais proporcionam um esquema simplificado das categorias verbais e simultaneamente uma expansão da ilustração, facilitando a compreensão da narrativa. (Barbosa, 2003; página 59).
Ferreira; Ponte e Azevedo (2000) referem que as histórias devem ser ritmadas e com linhas de repetição, permitindo à criança tomar a iniciativa de participar na leitura, introduzindo durante a narração da história as frases repetitivas transcritas em símbolos. Premissa reiterada por Caldas (2000) quando refere: "as crianças, em particular, têm prazer na repetição, seja ela de um pequeno gesto, seja de um ruído, ou de uma história. ... Pode dizer-se que os eventos que se repetem no tempo se transformam em atractores de experiência, dando ao sujeito um núcleo de memorização" (p. 195).
A questão da memorização na utilização do símbolo pictográfico é deste modo enfatizado, permitindo em simultâneo a comunicação espontânea e independente, fomentando a capacidade comunicativa e autónoma da criança para além do favorecimento do desenvolvimento global das suas capacidades, como a atenção ou discriminação perceptiva.
Reconhecendo-se a importância deste sistema aumentativo e alternativo de comunicação, não só pelos autores já citados, bem com investigações realizadas que comprovam diferenças significativas nas interações das crianças que usufruem destes recursos (Nogueira, 2009; pág. 127), existem em diversas redes sociais, alguns trabalhos feitos por profissionais de educação no sentido da partilha de materiais com livros adaptados. A oferta editorial, contudo, infelizmente, ainda é reduzida.

O Segredo do Sol e da Lua com texto de Graça Breia e Manuela Micaelo, ilustrado por Raquel Pinheiro foi um dos primeiros livros editados pela Cercica em 2008. Uma coleção com o nome de 4Leituras que remete para a leitura propriamente dita e incluindo um DVD que permite a audição da estória narrada; a estória narrada e acompanhada em LGP (Língua Gestual Portuguesa); e a versão narrada acompanhada pelo SPC (Símbolos Pictográficos para a Comunicação).
Esta coleção associa a cada livro uma oferta adicional, tendo sido o primeiro acompanhado de um livro impresso cartonado, com a narrativa acompanhada pelo referido sistema, encadernado em sistema de argolas para fácil manuseamento.
Livro que também pode ser adquirido individualmente, contudo face a uma tiragem de 1000 exemplares, já é pouco comum, a possibilidade de se encontrar disponível para venda.
Todos os outros títulos desta coleção remetem para esse sistema de comunicação mas requer a utilização do DVD o que na prática dificulta o acesso. Sabemos que nem todas as escolas têm aceso a computadores, o software nem sempre reconhece o DVD e não possibilita a impressão do mesmo, o que a ser possível também envolvia alguns custos para que a sua utilização fosse a ideal (cartonado, a cores, encadernado....)
De salientar que este livro, sendo uma óptima ferramenta, apresenta-se como uma razoável durabilidade mas de relativo manuseamento para mãos pequenas.

A editora Kalandraka, editou em Portugal (2009), dois títulos já existentes no seu catálogo publicados originalmente em 2005:
Chibos Chibões, da autora Olalla González, ilustrado por Frederico Fernandez e
O Patinho Feio de Manuela Rodriguez e ilustrações de Ana Sande. Em parceria com a associação galega B.A.T.A. Associação responsável pelas versões dos textos na coleção intitulada MAKAKINHOS, são publicados estes dois títulos com o SPC.
Esta editora tem ainda no seu catálogo, outros títulos publicados nesta coleção, infelizmente, apenas em espanhol, nomeadamente o famoso A que sabe a lua de Michael Greniec, editado entre nós, apenas na versão original.  

Todas estas publicação da editora Kalandraka, respeitando um texto cuidado e a ilustração original, são de versão normal, capa dura e folhas de papel comum o que para crianças muito pequenas ou com dificuldades a nível de motricidade fina dificulta o virar de página autonomamente.  
São muitos os países que optam por diversas versões quando da publicação de um livro: capa mole, tamanho para mãos pequenas e fundamentalmente uma versão em SPC. Infelizmente, em território luso, ainda temos um caminho a percorrer nessa preocupação editorial.
Os livros anteriormente citados constituem-se como obras de referência a serem explorados com crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Apresentam na sua generalidade sintaxe simples e linear do texto, utilizando o símbolo em reforço do texto alfabético, com ilustração clara e descritiva sem exigir dificuldades inferenciais, contudo, sem impedirem a capacidade de imaginação.
Uma coleção que me encanta pela qualidade ao nível de todo o cuidado numa publicação pensada e imbuída de respeito pelo público alvo é uma publicação de origem italiana. Trata-se da coleção intitulada collana pesci parlanti da editora uovonero.
Cumprindo já os requisitos anteriormente citados ao nível da sintaxe e da apresentação dos símbolos, apresentam uma frase por linha, texto em maiúsculas para maior legibilidade e facilidade no acesso à leitura.  Apresentam uma cuidada narrativa, simplicidade e cuidado na ilustração e sobretudo uma preocupação na estrutura reforçada do livro, cartonado, de formato original, concebido para facilitar o manuseamento do livro, constituindo-se como um factor relevante na autonomia do utilizador.
Esta coleção possui vários títulos que envolvem os clássicos dos contos e outros originais, tendo sido inicialmente idealizados para crianças com autismo, estes livros adequam-se  a crianças do pré escolar ou que iniciam a leitura.
Sendo livros resistentes e fáceis no seu manuseamento é possível o folhear do livro sem saltar páginas. A título de exemplo seleciono “Biana Neve” com ilustrações de Tommaso D` Incalci.
Uma vez mais, pela qualidade e dualidade que estes livros oferecem, não só crianças, mas também adultos promotores destas leituras, se deliciarão na partilha destes livros versados.
Assim, fica o desejo de boas leituras!




Bibliografia:

Barbosa, Maria Henedina Pinto (2003). O Livro - Instrumento de Comunicação em Crianças com Necessidades Educativas Especiais. Disseretação de Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança na especialidade de Intervenção Precoce. Porto: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação – Universidade do Porto.

Castro Caldas, A. (2000). A herança de Franz Joseph Gall. O cérebro ao serviço do comportamento humano. Lisboa: McGraw-Hill.

Ferreira, M.C.T, Nunes da Ponte, M., Azevedo, L.M.F. (2000). Inovação curricular na implementação de meios alternativos de comunicação em crianças com deficiência neuromotora grave. Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e I. das Pessoas com Deficiência.


Nogueira, Célia (2009) Educação especial – comunicar com crianças com paralisia cerebral. Editorial Novembro

in: rubrica Instantes Inclusivos da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão - 
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial) Vol. 8 - Nº 1 - (julho 2017) (pág. 34-36)