domingo, 3 de janeiro de 2021

Instantes Inclusivos - Livros Peculiares e autónomos

Todos os livros começam com um início, talvez por, Era uma vez. Mas qual o fim dos livros? Que objetivo oculto, oferecem na sua potente existência?

E que desígnio oferecem as diferentes edições, formatos, tamanhos, nesses objetos surpreendentes que se convertem, ou são, na sua essência livros?

Apresento-vos pois, alguns desses personagens com corpos e posturas, pouco habituais, mas que desafiando a sua finalidade cumprem-na, extrapolando-a. Intitulam-se como livros fora do comum, espicaçando o leitor a ser participante ativo, atento aos olhares à transição para novas narrativas, provocando reações díspares, agregando o eterno prazer da leitura. O conceito de livro extravasa assim para a poesia e para a dimensão plástica, por isso, os considero especiais com autonomia para seduzir o leitor. 

Korokoro

Émile Vast

Barbara Fiore editora (2009)

Um livro objeto, precioso, tanto na narrativa como no sentido estético da mesma. 

Em formato de harmónio/acordeão, este pequeno livro da autoria da autora/ilustradora Émile Vast, leva-nos numa viagem poética pela natureza, num desfile de imagem que nos surpreende permanentemente. A atenção aos detalhes que nos alertam para a observação dos mesmos, numa narrativa livre, dependendo da interpretação do leitor, conduz-nos ao deslumbramento cumulativo de situações. 



Mala quadrada, cabeça quadrada
Patrícia Vasconcelos 
 Ilustrações e design gráfico:
Eduardo Souza, Gabriela Araújo
Caleidoscópio (2018)

Um livro triangular que nos surpreende antes de o abrirmos, no seu formato, no convite ao sensorial, do toque, ao apelo do visual no sentido estético, na sua materialidade que convida a ser manuseado de diferentes formas, mesmo antes de iniciar a narrativa, onde cabe um espaço e uma vida. 
É o leitor que ao manusear o livro quadrado, no decurso das suas páginas, encontra a narrativa de muitas vidas quadradas, de outras tantas cabeças quadradas.  Imagens abstratas  num mundo concreto de sonhos e visões individuais. 


Girassol 
Inês Almeida e Nicholas Carvalho
Casa Nic e Inês (2019)

Um livro que se desembrulha num presente para os sentidos. Uma ilustração que se vai contemplando numa sequência vertical até se completar num todo, numa circularidade ilimitada de criatividade narrativa. Tão simples, sem palavras. Apetece dizer que a imagem vale mais que as palavras, porque essas irão surgir, espontaneamente em novos significados emergentes. 


na noite escura
Bruno Munari 
Bruáa (2011)

Bruno Munari é um autor exímio em livros fora de formato, designer influente, transcende nas suas publicações diversificadas onde evidencia experiências e conceitos. Neste caso a narrativa acontece paralelemente ao ritmo visual de recortes, sobreposições de acetatos e variações de texturas e manchas,  numa consonância magistralmente concebida. 



O jogo das Fábulas
Enzo Mari 
Edizioni Corraini (2013)

“O Jogo das Fábulas, criado por Enzo Mari em 1965, ainda é considerado um dos jogos mais importantes e inteligentes para estimular a criatividade.” Pode-se ler no verso do livro/jogo. Pode-se considerar um livro de imagens, sem texto. Considerado como um jogo, é composto por 6 placas que se recolocam possibilitando diversificadas e ilimitadas narrativas. 


Isto ou aquilo?
Dobroslav Foll 
Bruáa editora (2011)

Um livro jogo que brinca com o manuseamento da ilustração. 
Sobrepondo uma grelha de acetato e deslocando-a sobre a ilustração o leitor irá visualizar duas imagens que se transformam mutuamente. Dezasseis imagens intuitivas compõem este livro que explora a simplicidade das formas e cores dos objetos que permitirá desafios sem limite.




Vir ao mundo
Emma Giuliani
Edicare (2014)

Mais um livro em que se abre em forma de harmónio, num fundo branco com imagens a preto, flores ocultas, cabendo ao leitor, tocar-lhes e em forma de pop up dar-lhes vida, que é como quem, diz vir ao mundo.  Um livro poético que aborda o dar e receber, numa delicada sucessão de imagens, com pormenores subtis para leitores atentos. São poucas as palavras, mas imensa a fragilidade poética a par do objeto livro, tal como a vida, que pode ser bela mas efémera. 




Bolas de sabão 
Emma Giuliani
Edicare (2015)

Um pouco à semelhança do livro anterior a autora/ilustradora partilha momentos poéticos da vida. Desta vez, as páginas habituais num livro, são acompanhadas por pop-up de objetos peculiares que se destacam deambulando pelas memória de infância. 


9 meses
Jean-Marc Fiess 
Edicare (2016)

Da anterior editora, um livro soberbo para qualquer idade. Em cada página um pop –up acompanha o processo de desenvolvimento embrionário, envolto em alegria, espera e receios  até ao fim da gestação. Uma ode à vida de modo sublime. 


Em que pensas tu?
Laurent Moreau
O bichinho de conto (2017)

Em cada página um personagem e o seu pensamento.
Porque cada um de nós pensa em qualquer coisa ou não pensa em coisa nenhuma.  Pequenas janelas que se abrem ao pensamento coletivo e nos faz ser como os demais, sendo sempre únicos. 
 

Pra Lá do Escuro
Márcia Misawa
Baba Yaga (2017)

Pra lá do escuro é um livro em forma de harmónio, com pormenores recortados manualmente, em cada página.  Uma viagem de coragem, através do escuro, onde se instigam medos para encarar os sonhos individuais. Um deleite poético e estético.
A tromba
Tino Freitas e Debora Barbieri
Baba Yaga (2019)

Mais um livro da mesma editora do livro anterior. Uma editora brasileira com produção manual de livros fora de formato.
O formato deste exemplar, com um elástico a prender o seu harmónio, transforma-se em livro jogo. Ao desenrolar-se, revela uma lenga- lenga poética e cheia de humor. Um livro desafiante no que se refere à linguagem e nonsense desafiante e criativo. 


Não se pode em falar em livros fora de formato, sem se falar do fabuloso trabalho da autora/ilustradora checa Kveta Pacovska. No seu rol de livros, difícil é escolher um para documentar. A título de exemplo abordo o MidNight Play. Em forma de jogo, o livro apresenta um grupo de atores que exibem um espetáculo para a lua e esta premeia-os com a sua visita. As páginas do livro apresentam-se divididas, podendo combinar personagens e vestes, acompanhando a presença da lua presa por um cordel, construindo novas narrativas. Ideia simples, aparentemente, vista possivelmente noutros livros. Contudo o trabalho gráfico da autora, fazem deste livro, ou de qualquer um outro da sua autoria,  uma verdadeira obra de arte. 




Helena Zália, a ilustradora da capa da revista onde se insere este artigo, é ela própria responsável por livros fora de formato, exemplares únicos e ilimitados, da sua própria editora (zai-zai edições). Livros à medida de uma mão (como publicita a autora), feita à mão e com carimbos, que em tudo apela à imaginação. 


Marina, com texto de Guillermo Estrada Maurin (2007), em formato de harmónio, conduz-nos à viagem poética a uma cidade e à sua ligação com o mar ou a ausência deste. Um deleite textual e gráfico que oferece aos sentidos a textura reminiscente de um sonho marinho. 

No caso de Baloiçar, com autoria do texto de Anabela Mateus, Rita Vizinho e Vanessa Magalhães, o livro oferece a leitura em formato de harmónio, deixando para o final a surpresa de maior dimensão a par da mensagem concertada com a narrativa estética e poética que antecede o final. Uma folha única, abre-se, revelando-se para o mundo do leitor, em prole da circularidade textual, mas também da própria vida. 











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