sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Instantes Inclusivos - Teimar em ser diferente ou insistir nas capacidades de talentos escondidos

A duplicidade deste subtítulo remete quer para as apostas em termos editoriais, como o caso de edições de autor ou editoras que preiteiam homenagear a peculiaridade da diversidade, bem como as temáticas abordadas propriamente ditas. Narrativas que olham as diferenças através da empatia com o outro na nossa pluralidade.

 

A História que Acaba Bem. A História que Acaba Assim-Assim. A História que Acaba Mal

 Marco Taylor (texto e ilustrações)

 Edição de autor (2020)

Marco Taylor, autor que já nos brindou com duas capas para a nossa revista (2018), continua a surpreender em cada nova publicação. Com edição de autor em fevereiro de 2020 publica A História que Acaba Bem. A História que Acaba Assim-Assim. A História que Acaba Mal”.

Um livro de uma única capa mas com um miolo dividido em três partes, possibilitando três narrativas diferentes, por conseguinte, com finais diferenciados como evidencia o título. O leitor é assim convidado a decidir como a narrativa termina, mas em minha opinião, sempre aberta a uma circularidade e à possibilidade de outras narrativas para além do que o texto sugere.

A ilustração, de técnica digital, com recurso a utilização de cores frias e quentes usadas na mesma intensidade, remete-nos para um universo com predominância no uso de paisagens onde se situa a ação. Cenários onde a ficção se cruza com o humor, permitindo pela versatilidade deste livro, um desenrolar de inumeras hipóteses textuais criativas por parte dos leitores. Para quem conhece a obra do autor, encontrará também alguns personagens familiares de livros anteriores, possibilitando também, neste caso, narrativas paralelas. Um livro que inevitavelmente solicita ser lido/manuseado repetidamente, vezes sem conta, porque sem dúvida que quem o lê/conta acrescenta sempre mais um “ponto” de vista.

Enciclopédia dos Verbos Felizes  

Marco Taylor (texto e ilustrações)

Edição de autor (2020)


Ainda em 2020, desta vez em dezembro, Marco Taylor volta a surpreender com Enciclopédia dos Verbos Felizes”, um livro numerado à mão, todo ele construído manualmente, requerendo assim, um manuseamento demorado com todos os sentidos. Seguimos com os dedos cada página recheada de aconchegos, deliciando-nos de felicidade no contacto das diferentes texturas sobrepostas que nos oferecem alguns momentos de surpresa e sem dúvida de beatitude.

A cada dupla página é oferecido ao leitor uma mensagem e uma ilustração (com cartolinas cortadas e coladas pelo autor permitindo a tactilidade do material usado) que remete para pequenos gestos/momentos da singularidade da vida que nos permitem saboreá-la nos seus pequenos nadas irrepetíveis. Ações que se transformam em “verbo”, pelo valor inexorável da palavra, mas que nos sentidos remetem, pura e simplesmente, para a insustentável e efémera existência.

Este livro, de tamanho reduzido, tem a grandiosidade notória de nos lembrar que as coisas simples são, efetivamente, capazes de nos remeter para a felicidade.

As imagens das capas deste livros foram retiradas do site onde poderão encontrar e adquirir os livros deste autor:https://www.marcotaylorautor.com/

Camelote

 Texto de Ágata Pereira e João Pereira Carlos

Ilustração Martim Pinho Santos

Editora Canto Redondo (2020)

 A autora do texto não é estreante nestas narrativas, publicou já os livros Adelaide (2016) e Melissa, vidas de invertebrados (2018). Porém, desta vez, fá-lo em co autoria com o seu filho, aluno de 5º ano. O ilustrador, esse sim, um estreante nestas lides é aluno do Curso de Design na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa.

Camelote, o protagonista é um camelo solitário. Vemo-lo na capa e nas guardas iniciar um percurso de quem vai no encalce de outros camelos apresentados na página de rosto. O texto inicial e também a ilustração apresenta-nos um camelo que dorme de um modo peculiar nas noites frias do deserto. Episódio, este, que os amantes de livro ilustrado facilmente identificarão de uma personagem no final de uma outra narrativa, nomeadamente “Burros” (Texto de Adelheide Dahimène, ilustrado por Heide Stollinger, editado pela Orfeu Negro em 2008). É neste livro que conhecemos a solidão de um camelo peculiar em oposição ao casal de burros que são os protagonistas.

O relato de Camelote, nesta narrativa, como protagonista principal, remete para a procura da felicidade de um camelo forte, mas solitário. O texto comove-nos pela empatia com a sua busca de companhia, numa resolução acompanhada de aspetos didáticos e informativos que a ilustração, de técnica mista de lápis, vai completando visualmente, entre páginas que oscilam entre um imaginário infantil e alguma ilustração de certo modo mais minimalista de formas e sombras (bem evidente nas guardas) que de certa forma, em minha modesta opinião, a nível estético, poderia ter sido mantido de modo mais coerente ao longo da narrativa gráfica.

Um final inesperado, com algum humor à mistura, numa perspetiva inclusiva remete para a premissa das peculiaridades individuais e das forças coletivas.


Gemma Merino, ilustradora, nascida na Catalunha, fez a sua estreia no livro infantil com a publicação de O Crocodilo que não gostava de água. Com este livro é galardoada com o prestigioso Prémio de Ilustração Macmillan em 2011, enquanto estudava para o seu mestrado em Ilustração Infantil na Cambridge School of Art. Vem a publicar depois esta narrativa, editada entre nós, em 2016, pela editora Livros Horizonte.

Seguem-se a publicação, pela mesma editora, de A Vaca que Subiu a uma Árvore (2016), A Ovelha que Chocou um ovo (2018), Vicente a lebre impaciente, com texto de Timothy Knapman (2019) e, recentemente, O dragão que não gostava de fogo (2021).

A opção gráfica na ilustração manifesta-se coerente, no modo como é utilizado o recurso ao uso de cores frias de aguarela, lápis cera e técnica mista, oscilando com alguns pormenores de de cores quentes, conferindo, assim visualmente, um depurado equilíbrio estético.

Todos os títulos, bem irreverentes, salientam dificuldades, medos ou ambiguidades sempre com uma perspetiva de olhar o outro e reconhecermo-nos em nós próprios. Entre o primeiro livro publicado desta autora e agora o mais recente, existe uma continuidade visual bem evidente nas guardas de ambos os livros. A coerência textual evidente no primeiro título transporta um personagem para este segundo livro. Podemos quase seguir a vida do personagem em tempos diferentes.

Livros sempre pincelados de humor e muita ternura. Aliás o valor dos afetos, da valorização do tempo e dos momentos insubstituíveis são uma constante em todos os livros .

Pela ordem de edição cruzamo-nos com os medos do crocodilo, as ambições e sonhos de uma vaca, o otimismo e amizade de uma ovelha, a impaciência e correria de uma lebre até aos receios de um dragão. Situações análogas à dos seres humanos, em particular na infância (e não só) remetendo para o valor da diferença, da aceitação, da valorização da amizade e da audácia, numa transversalidade efémera da passagem do tempo.

in: Revista Educação Inclusiva Vol. 12 - nº 1 - julho 2021


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